domingo, 10 de dezembro de 2017

O Produtor Bom de Lobby, mas sem Noção - Por Luiz Domingues

Rory Barnes era um músico de alto padrão técnico, que crescera na sua carreira versado pelas mais altas influências no mundo do Rock. Todavia, uma reviravolta alimentada por um golpe publicitário, mudou completamente o panorama estético no gênero e sob ferrenha articulação perpetrada por marqueteiros e apoiado pela sua consequente formação de opinião, a inversão de valores fez com que a música sofisticada passasse a ser vilipendiada e uma nova estética sob os auspícios de uma sub-arte formatada pela absoluta grosseria, passasse a ser idolatrada por jornalistas ansiosos para elegerem "hypes" e novos modismos e da parte da grande massa, a postura bovina de ser manobrada passivamente, como sempre, foi mais um chamativo convidativo para que tal manobra prosperasse. 
Nessa circunstância, Rory tornou-se um artista subestimado por defender o seu velho ideal que ante tal novo panorama, passara a ser tratado como algo desprezível e os ogros toscos da nova anti-arte imposta, dominassem o mercado e a opinião pública, por conseguinte. 
O tempo passou e mesmo com muito menos chance de se obter um apoio gerencial mínimo que fosse, uma porta abriu-se e uma nova banda de Rory fora convocada a gravar um álbum produzido por uma gravadora de médio porte e com apoio de certos setores da mídia. 
O som dessa banda era bem distante do som que Rory realmente gostava, mas ali, já a avançar por outra década, foi o melhor cenário possível e Rory o abraçou com entusiasmo. 
Contudo, o produtor de estúdio contratado pela gravadora, se tratava de um desses sujeitos que eram reverenciados nos meandros do mundo musical, como um “gênio”, mas na realidade, tratava-se mesmo de um tremendo lobbysta, que mediante alto poder de persuasão & carisma pessoal de vendedor de si mesmo, convenceu a muitos que era o melhor do mercado, uma espécie de "visionário" que farejava artistas com potencial de sucesso, mas evidentemente a manter como sustentáculo as regras da nova ordem (desordem, na verdade), a favorecer a si mesmo e aos seus protegidos.  
Tirante o fato de que realmente o seu poder de convencimento era forte, tal qual o de um “encantador de serpentes” e somado ao fato de que a opinião formada estava ainda sob o paradigma de considerar luxo como lixo e vice-versa, as suas produções a lançar artistas toscos da estética do "Anti-Rock" realmente faziam sucesso e quanto mais isso se repetia, mais o poder do tal produtor, que chamava-se: Ray Mears, crescesse ao ponto de ser irrefutável a sua condição como intocável dentro dos meandros da gravadora e entre jornalistas que o tratavam como a um grande produtor musical que em realidade ele nunca foi.
Só que por tais condições, sem conhecer adequadamente os princípios da gravação de áudio em estúdio e somente a lidar com os seus amigos toscos que não sabiam tocar instrumentos musicais, realidade de quase todo artista que militava na seara do Anti-Rock e seus derivados, a sua inaptidão para a função não era notada pela maioria incauta, formada entre seus protegidos e quem assim o detectava, suportava esse estado de coisas graças ao status por ele adquirido e convenhamos, diante de seus triunfos obtidos através de artistas a serem incensados pela mídia, público e justamente por conter a sua assinatura na produção de seus respectivos discos, tornara-se impossível questionar os seus parcos recursos técnicos como produtor, de fato. O dinheiro manda, como diz a sabedoria materialista.
Então, chegara a hora da banda de Rory, chamada: “Square”, gravar, e ali ele se colocou respeitosamente a cumprir a orientação de Ray Mears, sem intenção alguma de criar empecilhos, mas apenas para gravar o som de seu baixo, o melhor possível para o bem de sua banda. 
Todavia, na hora da gravação, o produtor em um dado momento, cismou de adverti-lo, ao considerar que o trastejamento do baixo Rickenbacker seria por conta da falha grotesca de Rory, em termos de digitação. Rory era um sujeito extremamente calmo, acostumado a praticar meditação transcendental desde que George Harrison abrira-lhe o interesse para explorar a cultura indiana e portanto, um rapaz fácil de lidar-se, sem propensão a explosões nervosas se contrariado, além de aberto a ouvir opiniões externas, desde que bem embasadas, é claro. 
Todavia, esta conversa imposta por Ray, começou a irritá-lo com as constantes interrupções perpetradas pelo produtor, a cobrar-lhe uma digitação melhor, pois em sua concepção ele estaria a “trastejar” por uma questão de deficiência técnica da parte dele, Rory...
Rory começava a gravar e a interrupção vinha em segundos, com aquele forte sotaque de Newcastle de Ray a dizer-lhe ao fone de ouvido: -"você precisa pegar direito na casinha da nota, rapaz"...
 

Ray não ouvia (ou fingia que não ouvia), as explicações feitas por Rory, sobre o fato do baixo da marca Rickenbacker conter trastes baixos propositalmente, pois esse suposto trastejamento, contribuía na verdade para compor a sua tradicional timbragem aguda. Ele o cobrava como se Rory estivesse a falhar miseravelmente, ou fosse tecnicamente um baixista ruim e isso foi a perturbá-lo de uma forma contumaz. 
Como Rory não era dado a explosões temperamentais, na última vez que Ray o interrompeu para falar isso, Rory sugeriu que ele fosse tomar um chá... e daí, ele apenas o mirou a levantar-se furioso da mesa de som e a sair da sala técnica e bater a porta em sinal de contrariedade.
Reservadamente, o técnico do estúdio (um rapaz chamado: Ian), que estava a operar a mesa de gravação, falou-lhe discretamente que sabia que ele, Rory, estava certo e a execução estava perfeita, pois ele era baixista também, e sabia da característica do Rickenbacker. 
Ray Mears não era exatamente um produtor com conhecimentos técnicos de áudio, engenharia de som etc. Ele foi na verdade, um rapaz muito bem enturmado no jornalismo musical e que circulava pelos bastidores do show business. 
E entre os ditos formadores de opinião, era considerado: "cool", para usar uma gíria da época, ao manter trânsito e respaldo, daí ter sido contratado como produtor. A verdade nua e crua, foi que tecnicamente o seu preparo era muito pequeno, pelo menos naquela época, e tomara que tantos anos depois, ele tenha crescido nesse quesito, após acumular muitas horas de estúdio com os artistas que produziu dali em diante. 
Rory não gabava-se e quem o conhecia pessoalmente sabia muito bem que não considerava-se um grande músico e mesmo que o fosse, jamais forçaria tal barra pois não era do seu feitio agir dessa forma, mas para efeito de registro histórico, a instrução que o produtor em questão pedia-lhe insistentemente, não era cabível e pelo contrário, desnudara o seu despreparo à época. 
Ainda a falar sobre esse problema que teve no estúdio, a possível explicação foi que o produtor quis "mostrar serviço" e certamente achou que seria uma boa oportunidade para mostrar-se incisivo, ao se impor como alguém que entendia de áudio e detectava minúcias que somente técnicos tarimbados percebem em um estúdio, mas com tal atitude atabalhoada, ele apenas demonstrou a sua ignorância sobre um fundamento técnico. 
Existem em realidade, poucos produtores que dominam diversas áreas da música e que possuem esse requinte para conhecerem instrumentos e equipamentos a fundo. 
Conclusão: seria normal que ele não soubesse desse detalhe, mas se não tivesse usado de prepotência, poderia ter escutado a explanação feita pelo Rory, que de fato conhecia essa matéria e em suas ponderações, fora bastante paciente e respeitoso com o seu ignorante comandante. Se o altivo dublê de produtor houvesse confiado em suas explicações (pois naquela altura, Rory já tinha muitos anos de experiência na música, com vários discos gravados), tudo teria sido mais fácil, pois para Rory, estúdio não era novidade na sua vida, naquela ocasião.
Naturalmente, Ray o confundira com os músicos das bandas sofríveis da vertente do Anti-Rock, que ele tanto adorava e com as quais costumava lidar e ao ir além, com quem logicamente deparava-se com sérios problemas de execução aos instrumentos da parte de seus componentes, tecnicamente muito fracos, em meio às torturantes sessões de gravação. 
Aliás, esses entusiastas das máximas do marqueteiro que inventou esse paradigma, adoravam gabarem-se de sua decantada "atitude", mas quando precisavam gravar efetivamente e a palavra: "recording" envolta em luz vermelha, acendia-se no ambiente de um estúdio, eles sofriam complicações no âmbito intestinal ou convocavam músicos verdadeiros para gravarem em seus lugares, a ocultarem tal informação a posteriori, mas Rory sabia muito bem que esse recurso era (é) bem usado por essa turma, vide o decantado álbum de um baluarte desse tosco gênero, cujo disco que muito sujeito por aí define como: “é Rock’n Roll, baby” ... na verdade foi gravado por músicos de estúdio, pois os rapazes dessa incensada banda não reuniam condições para gravar... e Deus Salve a Rainha! Pois é...

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