sábado, 11 de novembro de 2017

Crônicas da Autobiografia - O Rock Morreu em 1975? Não, foi em 1969! - Por Luiz Domingues

                 Pitbulls on Crack em ação, em foto de 1994...

Aconteceu no tempo do Pitbulls on Crack, por volta do segundo semestre de 1994... 

Desde meados dos anos oitenta, eu havia cunhado uma frase de efeito, que repetia em rodas de conversa com amigos, sob título de brincadeira, mas a desvelar na verdade uma opinião forte e polêmica para a maioria, a descrever a minha profunda contrariedade com o rumo que o Rock, enquanto instituição em geral, havia adotado ao final dos anos setenta e que tal desvio de curso ditou normas nas décadas de oitenta e noventa inteiras, praticamente. 
 
Ao responder aos meus interlocutores que inquiriam a minha opinião sobre o panorama do Rock na ocasião, a minha explanação sobre o desalento que sentia, eu sempre tive o reforço dessa frase de efeito que criei: -“o Rock morreu em 1975”. 
 
Não houve nenhuma demarcação inspirada por algum fato histórico concreto em tal afirmação, mas tão somente foi baseada em um cálculo aleatório de minha parte, ao raciocinar que em 1975, os sopros contrários ao Rock ainda se mostram confusos e insignificantes, portanto, vivia-se em tese uma continuidade da normalidade do Rock setentista, sob suas múltiplas vertentes, com artistas a produzirem normalmente as suas obras inéditas, a administrarem as suas respectivas carreiras e sem demonstrarem, naquele instante, nenhum temor por uma reviravolta que os ameaçasse, até sobre sua própria sobrevivência, pois o que veio logo a seguir foi virulento nesse ponto e com tal intenção destrutiva e declarada.
E assim, eu atravessei tais décadas citadas e entre amigos, a minha afirmação mais provocava risadas, ao enxergarem exagero e comicidade de minha parte, mas a despeito da pilhéria, no fundo, houve um fundo de verdade e que fazia sentido para explicar como transcorreram as décadas de oitenta e noventa no mundo do Rock. 

Eis que um dia, eu que era ironizado por alguns ao ser acusado de portar-me como um saudosista radical, fui surpreendido por alguém que detinha uma visão ainda mais dura do que a minha.
Eu, Luiz Domingues em ação no ano de 1994, a tocar com o Pitbulls on Crack. Foto: Marcelo Rossi 

Eu tocava no Pitbulls on Crack nessa ocasião, uma banda que estava a ter uma oportunidade de exposição bem interessante naquele instante, metade de 1994, tanto que negociava naquele momento, um contrato de gravação com uma gravadora de pequeno porte internacional, mas que acabara de abrir um escritório de representação em São Paulo, a visar investir em artistas brasileiros, visto que um dos seus contratados foi a banda de Heavy Metal, "Sepultura", que nessa altura já estava consagrada mundialmente nesse nicho e isso motivara os holandeses, donos da gravadora, a investirem mais em artistas do mesmo país dos rapazes dessa banda e assim, uma nova porta abrira-se. 
 
Independente disso, também motivado pela expansão que a nossa banda demonstrara na ocasião e por ser amigo de pessoas da equipe dessa gravadora com a qual negociávamos, eis que surgiu o interesse de um empresário que também vivia o seu momento de crescimento em sua carreira, um inglês radicado no Brasil, chamado: Ray Ward. 
 
Ele era empresário de uma banda Punk, que fazia grande sucesso na ocasião, conhecida como: “Os Raimundos” e naturalmente ao sentir que estava em ascensão pessoal, planejou expandir o seu escritório, ao contratar mais artistas emergentes e nessas circunstâncias, ele quis conversar conosco. 
 
Em tal reunião, passada a conversação mais formal sobre nossa banda e os seus planos para o trabalho empresarial conosco, uma conversa informal e amistosa ocorreu, ao tratar logicamente sobre música e o Rock em específico, a conter a obviedade do fato dele ser inglês e mais velho que eu e Chris Skepis éramos na ocasião e sendo assim, evidentemente que haveria de ter as suas reminiscências sobre o Rock britânico sessenta-setentista. 
 
Claro que foi agradável e gerou momentos muito eufóricos até e assim, em um dado instante, senti-me a vontade para acrescentar a minha polêmica opinião e ao ouvir-me, Ray respondeu de pronto: -“discordo... o Rock morreu em 1969, no Festival de Woodstock. Ali foi seu último suspiro de criatividade e relevância”.
Lógico que eu parei para pensar nesse ponto de vista ainda mais radical do que o meu e mesmo ao discordar pois na minha percepção o início dos anos setenta ainda teve uma produção viva, criativa, além de comprometida fortemente com a contracultura e particularmente tem o meu apreço, o que ele afirmou teve também seu fundo de verdade. 
 
Pois se levarmos em conta detalhadamente que “Woodstock” teve um papel simbólico, como marco de uma Era, dá para imaginar que dali em diante o sopro da novidade e a força da sua mensagem inerente começou a diluir e assim, tudo que adveio, foi mera continuidade motivada pela força empregada e que fora despendida anteriormente, tal qual um carro que continua a andar rápido, mesmo com o motorista a tirar o pé de seu acelerador e sendo assim, como consequência lógica, demora um pouco para a velocidade diminuir e chegar-se ao ponto da completa inércia.
"Ending Theme Tune", o improviso final de Jimi Hendrix no documentário sobre o Festival de Woodstock, em agosto de 1969, a embalar as imagens do fim do sonho Hippie de um mundo fraterno, baseado na premissa do conceito de "Paz & Amor", quiçá, o final dessa utopia... 

Nesse aspecto, o que o Ray afirmou faz sentido, sim, e o Rock morreu em 1969, portanto, ao ver o documentário, com Jimi Hendrix a tocar o tema: "Ending Theme Tune", intercalado com a imagem melancólica do fim do Festival de Woodstock, com o grande público já a se evadir em meio a uma montanha de sujeira acumulada, tal simbologia pode mesmo ser computada como uma espécie de premonição metafórica, um prenúncio do porvir... e que infelizmente confirmou-se a seguir.

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