domingo, 5 de novembro de 2017

Autobiografia na Música - Kim Kehl & Os Kurandeiros - Capítulo 70 - Por Luiz Domingues

Uma oportunidade rara no ambiente musical de fim de segunda década do século XXI e digo isso com pesar, surgiu através de uma casa noturna com infraestrutura bem avantajada, que abriu as suas portas para um show compartilhado d'Os Kurandeiros com mais duas bandas, a caracterizar praticamente um micro festival, pode-se afirmar.

Tal casa em questão foi o Gillian's Inn, um estabelecimento que desde que fora fundado, por volta de 2011, mantinha a salutar prática de abrir as suas portas para bandas autorais, embora também tivesse nesse ínterim, que render-se à realidade da necessidade de se agendar bandas cover/tributo, como fator de sobrevivência, porém mesmo assim, esforçava-se para manter um espaço aos outsiders do underground mais profundo, portanto foi um fator a comemorar-se com fogos de artifício.

Eu, Luiz Domingues e Rodrigo Hid (encoberto), a tocarmos com o Pedra no Gillan's Inn, no ano de 2012. Foto: Naty Farfan
 
Eu já havia apresentado-me nesse estabelecimento uma vez, no ano de 2012, com  o "Pedra" e a repetir um padrão em estar inserido em meio a um espetáculo triplo, daquela vez a compartilhar com as bandas: "Tomada" e "Balls". 

E devo acrescentar que a casa operava nessa ocasião em outro endereço, próximo à Praça Roosevelt, no bairro da Consolação, bem perto do centro antigo da capital paulista. Posteriormente, eu soube que mudara-se para outro endereço, ali perto mesmo, a ocupar um espaço bem mais amplo, com direito a uma infraestrutura melhor para shows, com palco grande, melhores camarins e tudo mais e agora, 2017, estava em um novo local, a caracterizar o seu terceiro endereço e desta feita mediante uma mudança radical, por ir estabelecer-se na zona norte de São Paulo, no bucólico bairro do Jardim São Paulo. 

Nessa ocasião, além d'Os Kurandeiros, o show seria também compartilhado por duas bandas com sonoridades bem distintas entre si e conosco, igualmente. A primeira, chamada: "Boomer", a fazer um Pop-Rock com ares oitentistas e a outra, "Pop Javali", que apesar da sugestão implícita de seu título, apresentava um Heavy-Metal super técnico, a esbarrar em virtuosismos bem acentuados.

Interessante, um show triplo com bandas autorais a exibirem trabalhos bem diferentes, uma das outras, pareceu mais que uma estratégia eclética a demonstrar ousadia por parte da produção, mas haveria de atrair públicos específicos de cada sonoridade e na soma, garantir à todas, um quórum significativo, assim esperávamos. 

Da esquerda para a direita: Eu (Luiz Domingues), Kim Kehl e Carlinhos Machado. Os Kurandeiros no camarim do Gillan's Inn de São Paulo, em 20 de agosto de 2017. Clicks (selfies), acervo e cortesia: Kim Kehl

E assim fomos para o soundcheck na parte vespertina de um domingo, sob uma chuva bastante desagradável para quem vai participar de uma produção que depende da movimentação da bilheteria e não deu nem para lastimar o azar de uma chuva em pleno agosto, mês que tradicionalmente é seco e frio, mas apenas constatar que em uma época tão carente de oportunidades, foi para lastimar-se ter intempéries da natureza a atrapalhar uma rara oportunidade para tocar-se em uma casa melhor estruturada e dentro da realidade de um show 100% autoral. Paciência. 

Passamos o som e a casa apresentava um PA compatível com o espaço e o seu técnico mostrou-se competente e eficaz na preparação do nosso set up. E convenhamos, o nosso rider técnico era bem simples quando apresentávamo-nos no formato Power-Trio, portanto, a facilidade para se preparar nosso set up, foi total. 

No camarim, esperamos pelo soundcheck do Pop Javali e do Boomer, que na ordem inversa desse procedimento prévio, abriu a noitada. Eu assisti o show do Boomer em meio ao público e gostei da sua apresentação, a mostrar composições bem ao gosto do Pop-Rock da década de oitenta. 

Essa estética não é do meu agrado, todo leitor da minha autobiografia está amplamente avisado sobre isso, mas um aspecto é certo, gosto pessoal a parte, os rapazes apresentaram boas composições e desenvoltura. 

Formatado como quarteto, o Boomer impressionou-me bem, gostei de sua apresentação, inclusive ao prestar atenção nas boas letras versadas pela preocupação em se exprimirem crônicas do cotidiano urbano, tipo de temática que agrada-me, certamente, ultra paulistano que sou. 

Com uma boa cozinha, o vocalista principal a tocar uma competente guitarra base e um guitarrista solista de bastante qualidade, além de todos fazerem backing vocals afinados, é claro que a sonoridade teria que ser agradável e o foi. 

Enquanto eu assistia sua performance, um pensamento veio à minha mente: foi incrível como estavam a surgirem bandas que naquela atualidade de 2017, pretendiam resgatar a sonoridade dos anos oitenta (leia-se na realidade do Pop-Rock dentro da cena do BR-Rock daquela década), mas que soavam paradoxalmente muito melhores do que os artistas que eles deviam admirar. 

A minha tese é de que essa turma atual, primeiro aprendeu a tocar instrumentos e depois preocupou-se em formarem bandas, ao contrário de seus ídolos que fizeram o contrário, respaldados pelos ideais errôneos da "revolução Punk" que inebriou-os naquela ocasião. 

Dessa forma, bandas como o "8080", "Flying Chair" e o "Boomer", que buscavam tais sonoridades da década de 1980, eram em realidade, muito melhores que as bandas que influenciaram-nas, em tese.

Os Kurandeiros em ação no Gillan's Inn de São Paulo, em 20 de agosto de 2017. Foto: Lara Pap

Nos últimos momentos do show do Boomer, eu fui ao camarim iniciar a minha preparação final para entrar em cena e ainda comemorei a releitura que eles incluíram em seu show, ao executarem: "Come Togheter" dos Beatles, ou seja, nem só de som oitentista eles eram influenciados, ainda bem. 

Chegara a nossa vez e fomos apresentados pelo Adilson Oliveira que era (é) um dos dirigentes da Webradio Stay Rock Brazil (e também é um excelente guitarrista e professor de música, sendo membro da banda base do Lee Recorda, um dos remanescentes da banda setentista "Recordando o Vale das Maçãs", em plena atividade e a ter o baixista virtuose, Fernando Tavares como colega de banda, ou seja, uma banda de alto nível), com uma reverência tremenda que chegou a provocar-me arrepios.

O seu respeito pela nossa banda e também incluso o bojo da carreira pregressa de cada componente, foi emocionante e quase desestabilizador, pois dentro dessa aura de comoção, ficou meio comprometida a nossa capacidade de concentração, porém, e aí eu posso contabilizar como lucro, o fato de que envelhecer tem o lado bom da experiência acumulada em detrimento das mazelas da decrepitude física em curso, portanto, balançamos mas não caímos, como falava-se no humorismo popular de antigamente...

Roberto San'Anna, músico e fotógrafo, amigo virtual pelas Redes Sociais da Internet, de longa data, apareceu e nós conversamos bastante nos momentos pré-show. As três fotos acima do nosso show, são de sua autoria. Os Kurandeiros no Gillan's Inn de São Paulo, em 20 de agosto de 2017. 

Logo na primeira música, a simpatia do público foi muito boa e nós embalamos uma bela performance da música: "A Noite Inteira", mas um fato alheio à minha vontade, ocorreu. Na parte da parada gerada do instrumental, arranjo que estabelecemos fazer ao vivo e diferente da versão de estúdio, eu costumava percutir nas cordas abafadas do meu baixo, a usá-lo como a um instrumento de percussão, mas enquanto o Kim brincava com a plateia e o Carlinhos mantinha o ritmo, eu notei que o som do meu baixo falhava e não deu outra, uma pane instaurou-se no meu amplificador. 

Assim que chegou a vez de voltar para a música e ao verificar que os meus esforços para resolver a falha ali não lograram êxito, eu sinalizei ao Kim que não conseguiria prosseguir e que ele e Carlinhos conduzissem a música até ao seu final. 

Imediatamente o técnico de som e o amigo, Adilson Oliveira, vieram mexer no amplificador, mas ele não mostrava reação. Foi quando ele voltou a funcionar de uma forma inexplicável e o show prosseguiu sem mais percalços ainda bem. Vida que seguiu, falhas técnicas que aborrecem, mas que são dribladas, sempre.

Eis acima um "trailer" do especial a cobrir a nossa participação no Gillan's Inn, ao anunciar a seguir o lançamento do vídeo completo. 20 de agosto de 2017. Filmagem de Kico Stone

O Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=944sEUTWA18 
Mais registros d'Os Kurandeiros em ação no Gillan's Inn de São Paulo, em 20 de agosto de 2017. Clicks, acervo e cortesia de Regina de Fátima Galassi 

Dali em diante e sem prejuízo pela falha técnica logo na primeira música, o show foi ótimo, com a banda a manter uma ótima performance e a ser muito aplaudida. Encerramos felizes pela nossa participação e doravante, entregamos o palco para o Pop Javali.

Os amigos Roberto Sant'Anna, Regina de Fátima Galassi e eu (Luiz Domingues) no Gillan's Inn de São Paulo em 20 de agosto de 2017. Acervo e cortesia de Regina de Fátima Galassi. Click: Lara Pap 

Veio a seguir o Pop Javali e eu já havia ficado muito lisonjeado pela forma carinhosa com a qual seus componentes haviam falado comigo no camarim e durante o soundcheck, a se mostrarem muito gentis em enaltecer a minha carreira pregressa, ao citarem A Chave do Sol como um trabalho que influenciara-os na década de oitenta. 

Por essa eu não esperava e claro que fiquei muito enaltecido e agradecido. Fora disso, pessoas de uma gentileza ímpar e muito bem articulados, evidentemente que a nossa conversa nos bastidores foi das mais agradáveis. 

Sobre o show deles, assisti parcialmente, pois na primeira parte estava a arrumar os meus pertences no camarim, já a deixar tudo arrumado para a saída posterior, somente a ouvir a rebarba do som que vinha do palco sob um primeiro instante. 

Quando eu fui para a plateia assistir de fato, já chegava-se à metade da apresentação deles e eu pude constatar que são excelentes músicos e com tal nível técnico elevado a seu favor, realmente impressionara-me a robustez instrumental dos três componentes, inclusive a demonstrarem virtuosismo em diversas passagens de seu instrumental. 

A estética foi do Heavy Metal e eu não saberia definir ao certo em qual de suas inúmeras subdivisões o trabalho dos rapazes encaixava-se, mas obviamente era pesado demais para o meu gosto, mas isso não desabonou em nada o bom trabalho deles.

No pós show, a agradecermos ao público. Os Kurandeiros no Gillan's Inn de São Paulo, em 20 de agosto de 2017. Click: Lara Pap

Fechada a noite, pelo aspecto artístico, foi um triunfo a produção. Mas por outro lado, a chuva minou a presença de um público maior que certamente esperávamos. 

Cerca de um mês depois, o "Focus", a lendária banda progressiva setentista de origem holandesa, apresentar-se-ia naquele palco, a demonstrar que a casa continha fôlego para apresentar atrações internacionais. 

Cereja do bolo, alguns componentes e amigos da banda Boomer, abordaram-me com muita simpatia a revelarem-me gostar do meu trabalho com A Chave do Sol nos anos oitenta e claro que mais uma vez eu senti-me muito lisonjeado.

Os Kurandeiros no camarim. Da esquerda para a direita: eu (Luiz Domingues), Kim Kehl e Carlinhos Machado. Os Kurandeiros no Gillan's Inn de São Paulo em 20 de agosto de 2017. Click de Lara Pap

Kico Stone, o nosso amigo e film-maker de vários shows nossos, esteve presente e filmou a nossa performance, a gerar um micro especial, sempre bem-vindo para a videoteca da banda e da minha em particular.

Noite de 20 de agosto de 2017, um domingo chuvoso, mas proveitoso, com três bandas do mundo underground da música a apresentarem os seus trabalhos autorais, ou seja, uma chance rara no cenário da música underground de 2017...

Eis acima um resumo de nossa apresentação no Gillan's Inn de São Paulo, no dia 20 de agosto de 2017. Filmagem de Kico Stone

O link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=54LGz-94CbE
O nosso próximo passo seria uma apresentação em um espaço inusitado, mas que revelar-se-ia agradabilíssimo pela receptividade calorosa do público e dos responsáveis pelo local. 

Continua... 

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