sábado, 16 de janeiro de 2016

Autobiografia na Música - Pedra - Capítulo 139 - Por Luiz Domingues

Após o show realizado no Centro Cultural São Paulo, nós recebemos uma comissão desses jovens empreendedores que eu citei anteriormente, para entendermos de fato, qual seria a sua proposta para nós. 

Foi em uma noite de segunda-feira no nosso estúdio de ensaios que eles vieram e a moça que chamava-se Raquel, e era advogada, acompanhada de dois rapazes bem jovens, cujos nomes não recordo-me, e que apresentaram-se como recém formados em análise de sistemas, explicaram-nos os seus planos.

Estavam dispostos a contratarem bandas autorais, de estilos variados, mas 99% ligadas ao Rock de uma forma geral, para montar um elenco ao estilo das antigas gravadoras, porém a visar colocar tais artistas em uma plataforma digital de vendas de faixas individuais e álbuns inteiros sob uma segunda instância. 

Estavam inseridos dentro da equipe de trabalho de uma gravadora tradicional que ainda trabalhava com plataforma de CD convencional e no caso, esta chamava-se: "Atração".

Tal gravadora era relativamente nova no mercado, mas praticamente poderia ser considerada uma continuidade do antigo selo Lira Paulistana, comandado pelos mesmos dirigentes que geriam o histórico teatro Lira Paulistana de São Paulo. 

A ideia desses veteranos empresários foi ótima ao fundarem a gravadora "Atração", pois queriam ocupar o vácuo deixado pela antiga gravadora Lira Paulistana. 

Com o propósito de seguir tal linha artística ousada, a aposta foi em contratar-se artistas do underground e trabalhar em ritmo de parceria com todos, na mesma linha que norteou a velha gravadora Lira Paulistana. 

No entanto, a Atração ainda rezava pela cartilha antiga da produção fonográfica e não estava com os olhos atentos ao então presente, com a cena de fim de primeira década dos anos 2000, a mostrar como tendência o caminho digital cada vez mais forte.

Dentro dessa prerrogativa, foi que esse grupo de jovens fez contato com os veteranos dirigentes dessa gravadora, e levou-lhes a ideia de que estes precisavam abrirem-se à nova realidade do mercado fonográfico e nesse contexto, estabeleceram uma parceria, ao assumirem então um departamento digital dentro da empresa e com relativa autonomia, como por exemplo, a formação do elenco. 

Sendo assim, pelo simples fato de representarem a gravadora "Atração", que era uma empresa de pequeno porte, em fase de crescimento para tornar-se média em breve, mas principalmente por ser uma continuidade da antiga Lira Paulistana e terem em seus principais mandatários, pessoas que eu admirava pela produção feita na década de oitenta, já houve uma credibilidade.

Para ir além, a ideia de buscar-se formas modernas de se lidar com a indústria fonográfica e a discussão do dia foi a mídia digital paga para "download", tornou-se bem-vinda e para arrematar a tese de que a conversa foi boa, a nossa impressão inicial sobre tais jovens que  abordavam-nos foi ótima, a se pensar na sua juventude e vontade de buscar caminhos novos. 

E de fato, eles pareciam muito entusiasmados com o seu projeto. Além da simples ideia de comercialização de música em plataforma virtual, eles tinham outras ideias e que interessaram-nos bastante, ao falarem sobre ações que até fugiam de uma abordagem normal de gravadora, ao entrarem no campo da produção de shows e divulgação.

Falaram-nos sobre a promoção shows com patrocínios interessantes para alavancar o elenco que estivessem a representar e claro que achamos bem bacana a ideia. Lógico, apesar de todo o entusiasmo inicial de uma primeira reunião, nós pedimos tempo para pensar.

Seguiram-se outras reuniões e um dia nós fomos conhecer as dependências da gravadora "Atração", que na verdade usava o velho edifício da antiga gravadora Continental, próximo ao Parque Dom Pedro II, no centro velho de São Paulo. 

Lá dentro, as dependências quase vazias, com poucos funcionários, impressionara-me por dois aspectos: a grandiosidade das instalações, ainda que naquele instante tudo parecesse um set de filmagens de um filme ambientado nos anos setenta e a constatação de que apesar de estar tudo limpo e arrumado, se mostrava como um edifício "fantasma", com a gravadora "Atração" a usar apenas um andar e o restante do prédio a estar desocupado. 

Vou adiantar a cronologia para explicar a situação desse contato, depois eu volto ao ritmo normal da narrativa.

Várias reuniões foram feitas e nós aceitamos participarmos desse projeto. Ponderamos que não tínhamos nada a perder em contar com uma gravadora para cuidar das nossas vendas virtuais e pelo contrário, precisávamos desse tipo de suporte moderno que teoricamente apontava para o futuro, e além disso, apostamos nas ações prometidas pelos jovens em paralelo, como por exemplo os comentados shows coletivos para promover a gravadora e as bandas, e convenhamos, em uma época muito difícil, em que as oportunidades se mostraram raras, não poderíamos desperdiçá-las. 

No entanto, o tempo foi a passar e mesmo com um contrato assinado, não víamos nada de concreto a acontecer. A boa desculpa foi até plausível no sentido que estavam a esforçarem-se para fazer tudo funcionar a contento, mas na prática, nada acontecia.

A única percepção que tivemos foi que eles contratavam mais e mais bandas e chegara-se em um ponto onde se tornara inviável trabalhar a cumprirem-se as promessas, pois a demanda estava a ficar enorme para eles. 

Mais reuniões aconteceram e ao final de 2009, até um cocktail foi oferecido na sua sede, quando representantes de diversas bandas contratadas agruparam-se para eles anunciarem que resultados concretos aconteceriam no início de 2010, mas... quando 2010 chegou, "tudo continuou como dantes, no quartel de Abrantes"...

Para resumir, sei que essa garotada não era mal-intencionada e pelo contrário, queriam muito trabalhar e colocarem os seus planos em prática e sobretudo, ganharem muito dinheiro. 

Todavia, o buraco do show business/ indústria fonográfica, era bem mais abaixo e ao lutarem internamente com os dirigentes da gravadora e as suas ideias mais antigas do mercado, pareciam não estar a conseguirem o espaço que desejavam. 

Ao vermos por fora e sem nenhuma intenção de fazer uma crítica ácida, mesmo por que, particularmente nenhum de nós tinha nenhuma queixa pessoal contra nenhum desses jovens, muito menos eu, mas a minha impressão foi a de que eles erraram em contratar tantas bandas, ao preocuparem-se em rechear o elenco, antes de haver algo concreto a lhes oferecer. 

Seguramente queriam contar com muitas "galinhas dos ovos de ouro" em seu poder, antes que outros concorrentes fizessem-no. Segundo ponto, não digo que foi uma intenção deliberada ou mesmo maquiavélica dessa rapaziada, mas ao contratarem tantos artistas simultaneamente, além da obviedade de diluírem a sua capacidade de atender cada um, individualmente, pareceu que criaram um sistema com várias torneirinhas para abastecer uma única cisterna, ou seja, se cada torneirinha produzisse uma gota que fosse, na base da quantidade, o tanque deles enchia-se sempre.


Ora, isso passara a não ser interessante para as bandas, com tanta diluição, mas para eles, foi um caminho aberto para uma situação de acomodação, ao verificarem as gotinhas sofridas de cada uma das bandas a verterem para eles mediante uma quantidade significativa. 

Essa situação foi a arrastar-se e avançou por 2010, quando resolvemos pedir o desligamento do projeto, mas este estava tão inoperante que recebemos uma resposta engraçada de uma funcionária da gravadora: -"é só rasgar o contrato, senhor... não precisa promover burocracia jurídica para promover rescisão"...

Então está bem... papel picado e jogado no lixo... vida que seguiu...

Volto à cronologia de 2009, onde eu estava.

Continua...

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