terça-feira, 24 de novembro de 2015

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 231 - Por Luiz Domingues

Já estava a clarear quando chegamos à cidade de Jales-SP, quase seiscentos Km distante de São Paulo. Praticamente na divisa com o estado do Mato Grosso do Sul, Jales é mais uma cidade muito quente do interior paulista, e que já havíamos visitado antes, na primeira vez que fizéramos turnê com muitos shows contínuos, em dezembro de 2001. 

Naquela ocasião, caso o leitor não se recorde, nós desapontamos o público local ao não executarmos uma música que eles ansiavam e pediram em coro: "Olho Animal".  Desta vez, a tínhamos ensaiada no set list e não haveríamos de desapontá-los embora ela não fosse querida por pelo menos três quartos da banda, eu, Marcello e Rodrigo.  

O produtor local foi o mesmo rapaz que realizara o show anterior, mas desta vez a alegar estar com uma verba mais comedida, ele organizou o show em um local mais modesto, a se tratar de um salão de festas no centro da cidade, ao contrário da chácara espaçosa em que tocáramos anteriormente em 2001. Tudo bem, entendemos a situação e não nos importara em nada fazer a apresentação através de um local mais tímido.  

Ficamos hospedados em um hotel muito confortável e razoavelmente próximo de tal salão e pelo fato de termos chegado muitas horas antes do previsto, por não termos dormido em Catanduva-SP conforme o cronograma da turnê previra anteriormente, nós pudemos dormir até a hora do almoço, para recarregar a nossa energia.  

Almoçamos em um restaurante bom, perto do hotel e com muita tranquilidade fomos ao salão no período da tarde para montar o nosso equipamento e realizarmos o soundcheck. Tivemos sorte e azar ao mesmo tempo, quando uma súbita nuvem negra surgiu no céu e assim, uma tempestade caiu sobre a cidade. Sorte por que foi providencial para refrescar a temperatura que era altíssima até então, mas azar, por que nos atrasou para descarregar o equipamento do nosso ônibus.

Bem, quando a chuva amenizou-se, os roadies aceleraram o processo e na base da correria, montaram tudo, para compensar o atraso.

Infelizmente, o rapaz não havia economizado somente com o salão mais modesto, mas desta feita contratara um equipamento de PA muito simples, e com um técnico completamente despreparado para sonorizar um show de Rock. Ele deveria estar acostumado a sonorizar festinhas particulares, quermesse de igreja, comícios políticos e outros eventos dessa pequena monta, entretanto, show musical e ainda por cima de Rock, foi algo muito fora de sua realidade.

Ao contar como assistente o seu próprio filho, um garoto a aparentar estar na faixa dos treze ou quatorze anos de idade no máximo, e tão incauto quanto ele, foi um soundcheck bastante sofrido, e que irritou a todos. Paciência, foi o que tivemos e assim o negócio foi segurar um pouco na dinâmica, fator que não era o forte da Patrulha do Espaço, por sinal.

Voltamos para o hotel e após o jantar muito bom naquele mesmo restaurante do almoço, e desta feita lotado por famílias com um olho no garfo e outro nos monitores de TV a se exibir as novelas da TV Globo, nos arrumamos e por volta da meia noite, o organizador veio nos buscar. 

O salão estava bem cheio quando chegamos e a banda de abertura quase pronta para iniciar o seu show. Tratava-se da mesma banda que abrira o nosso show em dezembro de 2001, chamada: "Velho Lobo".
Os seus componentes estavam em estado de comoção, pois um de seus companheiros havia falecido recentemente mediante um trágico acidente náutico ocorrido em uma represa ou lago local, infelizmente, é claro. 

Por volta de uma hora da manhã, foi quando começamos o nosso show. E a reação foi com os fãs a urrarem e vibrarem como se comemorassem um gol em um estádio de futebol. Apesar das más condições sonoras e uma iluminação deficiente, esteve, paradoxalmente, muito mais animado que o show anterior de 2001, não houve dúvida.  

Contudo, estávamos a sofrer muito com a ação do PA muito ruim, a ser operado pessimamente pelo técnico, fraco em seus conhecimentos, e assim, tivemos até interrupções do show para o sujeito detectar microfonias insuportáveis e coibi-las, mas nem assim, sob silêncio, ele era ágil o suficiente para detectar a frequência e apertar um simples botão de "mute" na mesa ou no mínimo, tirar o volume do "master", a mais elementar medida a ser adotada por um aprendiz de operador de áudio, na primeira aula do curso. 

Aos trancos e barrancos fomos a tocar, e a brigar com as microfonias desagradáveis e o show, a despeito disso, teve picos de euforia, como na inevitável execução de: "Olho Animal", que causou comoção no salão, ao provocar que o público cantasse com a banda em plenos pulmões. Bem, resgatamos a nossa dívida com os fãs de Jales-SP, enfim. 

Missão cumprida, fora um show difícil para nós pelas condições técnicas, mas acho que satisfizemos o público. Assim foi no dia 23 de novembro de 2002, um sábado, em um evento batizado como: "TNT Rock", em Jales-SP. 

Dormimos com tranquilidade e após o almoço, carregamos o equipamento e entramos na estrada rumo à São Paulo. Não tínhamos mais compromissos, mas haviam dois convites formulados, que não recusamos e isso fez com que realizássemos duas paradas, a atrasar bastante a volta para a capital. 

Primeira parada: foi um prêmio que queríamos dar para o nosso motorista, o "seu" Walter. Quando ele soube que iríamos para essa região do estado, Walter nos pediu para pararmos por meia hora em um posto de gasolina às margens da cidade de Votuporanga-SP, no meio do caminho entre São José do Rio Preto e Jales, para poder rever familiares que não encontrava há anos.  

Claro que aceitamos lhe fazer esse agrado e estendemos tal parada em mais de uma hora, quando ele confraternizou-se com os seus parentes, que eram muitos, pareceu uma autêntica multidão ali presente e ficamos contentes por lhe dar esse agrado, visto que ele esteve conosco em todas as viagens, desde fevereiro daquele ano, e tirante a sua direção segura, Walter nos ajudara muito nos inúmeros problemas que tivemos com as seguidas panes protagonizadas pelo ônibus, fora as ações voluntárias de manutenção que fazia no nosso carro, muitas vezes ao se dirigir à garagem onde ele ficava estacionado e assim a estabelecer um trabalho pesado, ao levantar a carroceria e trabalhar no sistema de freios, embreagem e suspensão, para trocar peças etc. 

Muito feliz, até comovido ao ponto de chorar, ele ficou muito feliz por rever os seus parentes e na situação em que vivia, com poucos recursos, foi natural que não tivesse meios de vê-los com constância e só assim mesmo, sob um arranjo de trabalho ocasional. Se dirigisse um ônibus de linha ou caminhão de carga de uma empresa, jamais teria essa regalia, mas em nosso trato que era absolutamente informal, claro que pôde realizar tal momento feliz para ele. 

Pessoas simples, mas com aquele senso de hospitalidade e bondade tipicamente interiorano, os seus familiares nos presentearam com uma caixa de laranjas, e que estavam dulcíssimas.  

                                  São José do Rio Preto-SP

E a segunda parada foi em São José do Rio Preto-SP, por volta das três da tarde quando o amigo, Junior Muelas, nos aguardava na beira da estrada, e dali nos conduziu à sua residência que continha ares de uma chácara. Lá, a sua família nos recepcionou com um farto almoço interiorano, e muitos Rockers locais e amigos dele estiveram presentes. Em clima de comunidade Hippie, a tarde foi agradabilíssima com comida boa e suco de frutas colhidos no pomar da casa, e tudo ao som da ótima coleção de vinis de Junior Muelas.

Foi um relaxamento tão bom, que já começara a anoitecer quando nos demos conta que tínhamos quatrocentos e cinquenta Km para enfrentarmos rumo à São Paulo. Pouco além das duas da manhã, começamos a avistar a impressionante selva de pedra da capital. Chegamos em casa em segurança, e com mais uma turnê cumprida.

Na próxima semana, tivemos uma nova incursão pelo interior paulista, mas foi em um outro quadrante do nosso estado.

Continua...

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