domingo, 15 de novembro de 2015

Autobiografia na Música - Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada - Capítulo 23 - Por Luiz Domingues

Por vir a ser um show com características de choque, em meio a um festival local, o Ciro quis fazer um show menos intimista como houvera ocorrido nas duas oportunidades anteriores onde estivemos juntos em 2011. Fez sentido, é claro e assim, incorporamos músicas com teor mais Rock'n' Roll no set list.  

Os ensaios aconteceram sob um clima bom, em meio à camaradagem como eu já salientei, e no dia do show, nós partimos para São Carlos-SP, bem cedo, na manhã do sábado, dia 11 de agosto de 2012.

A viagem foi agradável, com exceção do fato do motorista da Van disponibilizada pela produtora, ter sido ser bastante impetuoso, eu diria, pois certamente que ele desejou estabelecer um novo recorde de tempo para a história do percurso entre São Paulo e São Carlos.

Chegamos à simpática cidade interiorana ainda no período da manhã, portanto deu tempo para um sono básico no hotel onde nos hospedamos e que localizava-se muito perto da estação ferroviária da cidade, onde o show realizar-se-ia. 

Acordamos e fomos almoçar em um excelente restaurante onde a produção do show nos levou, a denotar que tudo correria muito bem. Lembro-me que estava a passar nos telões de TV, a final do torneio de futebol dos Jogos Olímpicos de Londres, e o Brasil mais uma vez perdeu, uma tradição nessa competição, aliás, e ainda por cima para o México, que estava a se configurar como um bom algoz para o arrogante time da CBF, nos últimos anos. Enfim, durante o almoço a conversa na mesa girou em torno dessa derrota, em contraste com a vitória da equipe de vôlei feminino, que acontecera quase no mesmo horário.

De volta ao hotel, apanhamos os nossos instrumentos rumo à Estação Ferroviária, de onde já ouvíamos os testes de som preliminares realizados pela equipe técnica contratada para dar suporte ao Festival, e que já estava a afinar o sistema de PA.  

A primeira reação que eu (e os demais, também), tive ao ver o palco montado, foi de ânimo, no sentido de que não fora montado um palco espetacular, nem o equipamento era algo excepcional, contudo, vê-lo montado ali naquela plataforma charmosamente retrô, foi uma visão incrível!

Então, ficamos muito animados com a perspectiva do show, pois a ideia da organização foi muito pitoresca, e visualmente a falar, teve  tudo para lograr êxito. E também ficamos perplexos quando uma pessoa da produção nos informou que a passagem dos trens não seria interrompida, portanto, aquelas composições gigantescas de trens de carga, pesadíssimos, a transportar produtos agrícolas e minérios, passariam regularmente durante todo o festival.

De fato, ainda antes do soundcheck, vimos um deles passar, com mais de sessenta vagões em sua composição, com um barulho ensurdecedor, isso sem deixar de mencionar a buzina, que era inacreditavelmente escandalosa. 

Fomos bem tratados pela equipe do som e iluminação e o soundcheck realizou-se com muita tranquilidade, para nos deixar satisfeitos. O único ponto negativo dessa tarde, não teve nada a ver conosco, ao revelar-se um fato isolado, mas que foi bastante desagradável. Enquanto fazíamos o soundcheck, vários funcionários da estação e outros terceirizados pela produção do evento, trabalhavam, a andar para todos os lados, a carregar materiais, e a promover ações de limpeza e arrumações em geral.

Foi quando ouvimos um grito dilacerante que veio da lateral do palco, onde uma pequena via estava liberada apenas para a circulação dos funcionários da produção, como uma opção logística. Uma senhora, que devia ser copeira e transportava uma caixa de copos de plástico (obviamente ela estava a levar tal caixa para a cozinha que daria suporte à venda de lanches e bebidas do festival), caiu com violência de uma escada, e aos berros dizia ter quebrado a sua perna. Vi uma correria para socorrê-la e até o nosso tecladista, Caleb Luporini, foi prontamente se oferecer para o socorro, e nos contou que de fato, a perna estava fraturada, com um aspecto assustador.
Bem, acidentes acontecem em ambientes de trabalho, todos os dias, mas claro que aquele evento nos impressionou negativamente. Ainda bem, o socorro da própria estação foi muito rápido, Ao tratar de sedá-la e providenciar o seu encaminhamento ao hospital mais próximo.

Passado esse momento angustiante, e sem nada para fazermos para amenizar a dor alheia, encerramos o soundcheck e percebemos a movimentação de uma banca de vinis que estava a ser instalada na plataforma, cerca de cem metros longe do palco. Nos aproximamos e ficamos a observar discos que estavam a ser colocados na sua bancada.
Rara foto da banca de vinis que estou a citar, e que achei na Internet

Sob uma conversa ligeira, soubemos tratar-se de um casal que havia obtido permissão da produção para expor a sua bancada de vinis, e aquilo foi bastante enriquecedor para o evento, sem dúvida. Foi quando eu achei o EP d'A Chave do Sol, lançado em 1985, em meio aos LP's ali disponibilizados e brinquei com os donos da barraca, ao dizer algo do tipo: -"recomendo este disco e esta banda!"
Percebi que eles não me reconheceram e deixei para lá, evidentemente. Lembro dos companheiros da nossa banda, incluso o Ciro, terem achado graça do fato dos donos da barraca não haverem percebido que eu fora um componente da banda em questão desse disco. Enfim, fomos para o hotel descansar e nos arrumar para o show. 
Enquanto no quarto que eu dividi com o Kim, reinara a paz monástica, dava para ouvir a euforia instaurada no quarto ao lado, ocupado por Ciro e Caleb, e tudo agravou-se quando um grupo de jovens pediu permissão e o Ciro permitiu que eles o visitassem. Foi um grupo de fãs não só da obra musical do Ciro e de suas bandas pregressas, mas também de literatura, e nesses termos, a conversa foi animada, a transformar o recinto, em um concorrido Sarau.

Já estava a escurecer quando começamos a ouvir as primeiras bandas que se apresentavam. Realmente, o Festival podia ser charmoso pela sua localização em meio a uma plataforma ferroviária, porém a propagação do som certamente estragou o sábado de muitas pessoas, cujas residências localizavam-se nos arredores.
Continua...

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