terça-feira, 6 de outubro de 2015

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 185 - Por Luiz Domingues

O tempo estava contra nós. O atraso que tínhamos tido por conta do dilúvio, inundação e estragos nas vias públicas de Ribeirão Preto, a dificultar a nossa saída, foi enorme. Sem alternativa, resolvemos parar em um posto de gasolina para efetuar a troca de óleo e filtros. Essa sempre foi uma operação demorada para um carro de passeio, quiçá para um ônibus, então. 

Mas foi melhor perder cerca de quarenta valiosos e escassos minutos, a ter uma pane na estrada e perder o show. O clima pesou entre nós. Ninguém teve culpa por esse revés, mas os nervos estiveram à flor da pele, e portanto, o melhor foi permanecer o máximo do tempo, sob silêncio.

O "Seu" Wagner tinha perdido roupas, por conta de ter nadado na água podre da enxurrada. Ao nos dizer estar com bastante enjoo, ele passou a tomar leite de forma compulsiva para tentar neutralizar o mal-estar que sentia por ter ingerido aquela água fétida e mesmo assim, não tínhamos nenhum elemento técnico para afirmar que leite seria o suficiente e nem mesmo adequado para coibir um dor estomacal e promover uma limpeza. Com dor e tudo, ele trabalhou com afinco para efetuar a troca de óleo, o mais rápido possível.

E se aquela foi a sua primeira viagem e estava em experiência conosco, já estava aprovado, não só pela condução segura, mas principalmente pela atuação no momento crítico da tragédia aquática, ao salvar o nosso carro do colapso. A parte social do carro ficara um nojo, pois o barro tratou de torná-la um chiqueiro, literalmente.

Já começava o crepúsculo quando o "seu" Wagner anunciou que estávamos prontos para partir. O tempo urgia, pois já estava ultrapassado o horário previsto para o soundcheck tranquilo que achávamos que faríamos, um dia antes, quando nenhuma gota de chuva ainda havia caído. 

O gasto com uma inesperada nova troca de óleo e filtros, visto que havíamos tomado essa providência anteriormente em São Paulo, não foi o pior a se lamentar naquele momento. 


Para amenizar, o visual da estrada ao crepúsculo esteve lindíssimo. Rajadas de sol poente trespassaram as árvores e o silêncio dentro do carro no deixou um pouco mais relaxados, quase com a certeza de que o pior passara. Nos atrasaríamos, sem dúvida, mas daria certo, mesmo sem a possibilidade de um soundcheck tranquilo. Talvez nem desse tempo de um soundcheck superficial.

Chegamos na entrada de São Carlos, enfim, e após uma certa apreensão para achar o endereço do Sesc, chegamos à porta de entrada da instituição, e ao menos tivemos uma bela visão: uma multidão aguardava em fila para o portão principal se abrir. Se tratava de um público jovem, enorme, e estava ali para nos ver.

Por alguns segundos, a mirar a fila pela janela do ônibus, lembrei-me dos anos setenta e daquele clima maravilhoso de porta de teatros e ginásios esportivos, com os freaks a aguardar o momento de adentrar o recinto para presenciar um concerto de Rock. Nesse breve instante, senti-me feliz por estar ali e a realizar o meu sonho adolescente de 1976. Sim, eu tocava naquele instante em uma grande banda de Rock, com história e árvore genealógica nobre na história do Rock brasileiro, e aquela multidão ansiava pela minha banda subir ao palco. Nessa breve divagação, todo o drama vivido pelo atraso descomunal, houvera sido obscurecido. O Rock falara mais alto, a missão tinha que ser cumprida. Todavia, novos reveses nos aguardavam...  

Continua...

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