terça-feira, 6 de outubro de 2015

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 187 - Por Luiz Domingues

Naquela fração de segundos, sem saber a real situação, pensei no pior, e o quanto aquele acidente seria catastrófico para um jovem talento que desabrochava artisticamente, caso do Marcello. Passou também pela minha imaginação a cena tétrica de nós a levá-lo às pressas para um pronto-socorro, a sua mão arruinada, para ceifar a sua carreira. Foi um horror, não tenha dúvida disso, amigo leitor.
Todos correram, naturalmente para socorrê-lo, mas o quadro não foi tão grave, por incrível que pareça, ainda bem!

De fato, houve o ato da prensagem da mão, mas o "seu" Wagner foi rápido, ao segurar o carro no freio de pé. A prensada foi dolorida ao extremo, mas não quebrou-lhe nenhum osso, aparentemente. Marcello ficou com um hematoma feio, e produziu sim, a inibição dos movimentos musculares normais da mão, pulso e dedos, em um primeiro momento. Mesmo afastada a pior hipótese, que seria a da fratura, naquele momento o mais prudente teria sido cancelar o show, e a apresentação do dia seguinte estaria também seriamente propensa a ser descartada. 

O correto teria sido ir imediatamente ao pronto-socorro mais próximo e depois de prestado o primeiro socorro, e quiçá exames preliminares, voltarmos para São Paulo e ele a iniciar o tratamento e repouso absoluto. 

Todavia, valente e com forte espírito de grupo, o próprio, Marcello recusou terminantemente a ideia do cancelamento e disse que faria o show, nem que fosse para cantar as músicas em que o seu vocal era o principal, e que nós o conduzíssemos o show como um trio instrumental. De fato, sob uma emergência, poderíamos conduzir o show somente comigo, Luiz, Junior e Rodrigo a tocar, mesmo que isso representasse um enorme prejuízo sonoro, e nas músicas mais imprescindíveis, onde a presença dele, Marcello seria vital na guitarra ou nos teclados, as cortaríamos do set list, para substituir por outras mais fáceis de serem tocadas em formato de Power-Trio. 

Como estávamos aflitos para colocar o nosso equipamento o mais rápido possível em cima do palco, nem todo mundo presenciou tal cena horrível. No entra e sai, os roadies estavam a carregar o equipamento e por isso o Marcello voluntariou-se para colocar o calço no ônibus, daí a se expor ao acidente.

Cabe aqui uma reflexão: tal tarefa é perigosa e claro que ninguém merece se machucar dessa forma. Geralmente quem faz isso, é o ajudante de caminhoneiro, que tem experiência em lidar com isso, embora pareça uma tarefa prosaica que qualquer pessoa possa fazer.
No caso de um conjunto musical, o correto é que os componentes não se arrisquem em realizar tarefas onde possam se contundir, principalmente nos braços, mãos e dedos, isso é óbvio. As mãos dos roadies e do motorista também não merecem se machucar, isso é evidente, mas pela função, sem um músico não há show e se não há show, não há turnê. 

Em meu caso, que muitas vezes fiz essa função do calço, também estive errado em me arriscar. Nunca aconteceu nada comigo e acreditem, eu fiz isso inúmeras vezes, muito mais que o Marcello, que foi muito azarado nesse aspecto.

Existe até na história do Rock, a clássica passagem de que o Robert Plant, vocalista do Led Zeppelin, era constantemente advertido pelo empresário, Peter Grant, por que ao contrariar as suas ordens expressas, adorava ajudar os roadies a montar o palco. Fazia até loucuras como pendurar-se em escadas altíssimas para empilhar as pesadas caixas do PA ao auxiliar os carriers. E se ele se machucasse? Show cancelado, não é mesmo?

Então, passado o susto, mesmo com a mão bem roxa pelo hematoma feio e com dor, o Marcello bravamente se dispôs a tocar no soundcheck que foi rápido ao extremo, mas eficaz, e nos garantiu que tocaria normalmente e que apesar da dor, os seus movimentos não estavam comprometidos e então, poderia tocar guitarra, teclados e flauta.

Foi uma situação preocupante, pois sem um exame médico adequado, o fato foi que poderia até agravar a contusão, mas ele insistiu e nós acatamos a sua decisão de fazer o show no sacrifício.

Não havia nenhum tempo para pensar em ir ao hotel para tomar um banho, portanto recorremos às instalações esportivas do próprio Sesc, e tomamos banho nos vestiários dos atletas que ali treinam e jogam basquete, vôlei e futsal. Quando estávamos a terminar o banho, ouvimos claramente o público a entrar na arena onde tocaríamos. Ao sairmos da instalação dos vestiários e caminharmos para o camarim, tivemos que passar por uma área social que era também o caminho do público e vimos muitos a correr para garantir o melhor lugar possível próximo ao palco.  

Nesse momento, internamente e sem comentar com o Rodrigo e com o Marcello que estavam a caminhar comigo, eu tive uma epifania, praticamente: lembrei-me dos anos setenta e como era excitante ir a um show de Rock e por um breve instante, eis que eu senti naquela correria perpetrada pelos jovens sãocarlenses, a mesma vibração setentista que eu sentia na porta de uma arena, ao ir assistir aquelas maratonas de Rock brasileiro, naquela década.

Rapidamente o Senhor X, banda de Ribeirão Preto, cuja vocalista Carla Viana conhecêramos na noite anterior, dava os primeiros acordes de sua apresentação de abertura. Como de praxe, o Sesc serviu um lanche caprichado no camarim, mas havia um detalhe que não levamos em consideração: apesar do Sesc ser sempre muito bem organizado, normalmente, tal camarim não ficava atrás do palco, como seria o correto, mas pelo contrário, fora montado na outra extremidade, e sem nenhum caminho reservado para os artistas se deslocarem para o palco. E pior, foi um camarim improvisado, como uma tenda, bonita e asseada, certamente, mas não um recinto fechado de alvenaria e seguro, por conseguinte. Mais uma tragédia estava para acontecer, pois essa etapa da turnê estava mesmo a ser realizada sob a égide do azar...

Continua...

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