quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 169 - Por Luiz Domingues

Chegamos no estúdio por volta das 16:00 horas de uma quinta-feira, sob clima bastante amistoso, e com a produtora, Sarah Reichdan, a nos recepcionar. 

Estávamos descansados e bem dispostos, após uma extenuante viagem ao Rio Grande do Sul. Porém, graças ao dia anterior que foi livre para a banda, nos deu a possibilidade de recuperação e convenhamos, após um dia de descanso, banho & uma bela pizza, tudo melhora. 

Foi quando chegou ao estúdio o guitarrista, Andreas Kisser, super simpático e entusiasmado com a oportunidade surgida para tocar conosco, ao demonstrar um grau de respeito que nos cativou de pronto. Mas não foi só essa atitude que nos impressionou. Enquanto arrumávamos as coisas para começar a ensaiar, Andreas me surpreendeu de uma forma comovente, eu diria.

Pois então passou-me a contar que eu tivera uma importância muito grande na sua vida, como exemplo que o incentivou a se tornar um músico de Rock, no seu caso, a professar a escola do Heavy-Metal.

Fiquei bastante desconcertado com tal afirmativa da parte dele e antes que lhe perguntasse, ele prosseguiu a contar: antes da metade dos anos oitenta, ele ainda nem tocava no então incipiente, "Sepultura", quando ele se dirigiu de uma forma bastante fortuita à sala de ensaio de uma banda de Rock emergente formada por músicos mais velhos, chamada...A Chave do Sol...

Como assim? Sim, Andreas contou-me que era amigo de uma amigo da irmã do guitarrista, Rubens Gióia, Rosana Gióia, e dessa forma surgira a oportunidade de assistir um ensaio da minha banda naquela década, visto que Rosana Gióia formalizou o convite e de fato, era nosso costume receber pessoas na nossa sala de ensaios, desde o início de nossas atividades, em 1982.

Então, a  encerrar o seu belo depoimento, ele afirmou que ficara encantado com a nossa dinâmica de ensaio, e que ali, sedimentou a sua vontade de se tornar um músico, de fato. Fiquei bastante comovido com tal depoimento e em seu semblante, se tornara nítida a sua sinceridade desconcertante, eu diria.

Foi bastante inusitada  a situação por alguns aspectos:

1) Eu, que tenho uma memória de longo alcance bastante ativa, simplesmente não me lembrava desse fato. Lembro-me de muitas visitas na sala de aulas d"A Chave do Sol, e algumas absolutamente insólitas que mereceram serem mencionadas e assim o fiz no capítulo sobre Aa Chave do Sol, deste livro, mas nem imaginava que um Andreas Kisser, ainda adolescente e imberbe, pudesse ter ido nos assistir a ensaiar. Tenho a atenuante de que ele era um garotinho apenas, e não havia nenhum indício na ocasião, de que tornar-se-ia mundialmente famoso no futuro.

2) Conheci os rapazes do Sepultura por volta de 1987, na redação da revista Rock Brigade. Eles já estavam estourados no métier do Rock pesado/Heavy-Metal, e eram "darlings" daquela publicação que privilegiava o mundo do Heavy-Metal. E nessa altura, já faziam sucesso internacional, mas fariam muito mais, sob um curto & médio prazo.

Nessa ocasião, foram todos cordiais comigo, mas o jovem, Andreas nada me falou na ocasião sobre ter ido ao ensaio d'A Chave do Sol, poucos anos antes. Dali em diante, entre 1988 e 1989, nos encontramos várias vezes em bastidores de shows. Lembro até do baixista, Paulo Junior aparecer em um show que fizemos em conjunto com o Golpe de Estado, na casa de shows Dama Xoc, em 1988, quando ele brincou comigo, ao dizer-me que ele gostava da minha banda, mas eu não gostava da sua.

Em outra passagem, ocorrida em 1991, eu estava a ciceronear o meu amigo, Ricardo Aszmann, que é do Rio, e ao perambularmos pelo bairro das Perdizes, em São Paulo, resolvi levá-lo para conhecer o estúdio Quorum, cuja propriedade era dos irmãos Molina (Jaques e Jeff) e Ney Haddad. Surpresa total, o Sepultura estava a ensaiar em uma sala ampla e que estava repleto de garotas, ao denotar que viviam a experiência do estrelato consolidado, e nessa fase, já eram estrelas mundiais. Estavam a ensaiar para o show que fariam no Festival Rock in Rio, de 1991.

Eu não sou hipócrita. Claro que é público e notório e nesta autobiografia, estou a reafirmar isso sistematicamente em vários capítulos diferentes até, que não gosto, nem nunca gostei de Heavy-Metal e Punk-Rock. Se não gosto do Iron Maiden, como muita gente achava (acha) que eu gostava (gosto), imagine o metal extremo do Sepultura. Contudo, além do respeito e da ética, eu tenho uma admiração pelo Sepultura, não pela sua obra e estética, mas pela sua dignidade artística e status adquirido com muita labuta.

Ao ir além, acho extraordinário no caso do Sepultura, que tenham feito sucesso internacional sem apelações. A despeito do álbum que gravaram com intervenções indígenas no Xingu, mas depois de solidificados, pois o sucesso foi construído sem que usassem de artifícios folclóricos para se impor mundialmente. Digo e repito, o Sepultura fez sua fama sem usar cestos de frutas na cabeça, como sempre o mundo lá fora espera que os brasileiros se apresentem. 

E faço a ressalva, mesmo sendo a ironia cabível como institucional, que isento a Carmem Miranda como pessoa & artista, pois gosto dela e a acho sensacional, artisticamente a falar. Infelizmente, o exotismo com o qual ficou famosa, veio a se tornar uma espécie de estigma para qualquer artista brasileiro doravante. Salvo Tom Jobim (ainda que no caso dele hajam ressalvas, não por ele, pessoalmente), creio que a cesta de frutas na se estigmatizou como uma espécie de condição sine qua non para artistas brasileiros serem aceitos no exterior.

Mas o Sepultura venceu no mundo do Heavy-Metal e ao produzir o seu som, sem elementos folclóricos como apelação, para chamar a atenção pelo exotismo (repito: sei que eles tem aquele trabalho que envolvem índios do Xingu em um determinado álbum da banda, mas isso foi em um momento posterior na carreira, que já estava consolidada naquela altura). E isso, em minha opinião, contém um valor fantástico.

3) Foi para se enaltecer também a extrema humildade de Andreas, que mesmo sendo uma estrela internacional, mostrara-se um rapaz simples, educado e muito agradável no convívio.

Ensaiamos com muita tranquilidade, sob um clima muito agradável e ficou acertado que ele tocaria as músicas: "Robot" e "Olho Animal", que eram do álbum "Patrulha'85". Essas canções não faziam parte do set list até então, mas eram pedidas pelos fãs, vide o que eu relatei sobre o show ocorrido em Jales-SP, alguns capítulos atrás.

Ele também tocaria na música final do show, que em decisão tomada na hora do ensaio, junto ao pessoal do Tutti-Frutti, e também dos convidados, ficou acertada ser : "While My Guitar Gently Weeps", dos Beatles, em homenagem à morte de George Harrison, recentemente ocorrida naquela época. Terminado o ensaio, agora falarei sobre o show em si.
Continua...

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