sábado, 31 de outubro de 2015

Do Fundo do Tempo - Por Marcelino Rodriguez

A voz e a figura de Taiguara atingem-me via correio eletrônico, parecendo vir de um passado remoto, entranhado, porém, nos ossos e sangue da minha afetividade !
 

A mensagem veio pelo seu fã-clube, criado e administrado por suas filhas.  
A tecnologia unindo, enfim, dois companheiros separados pelo tempo.
 

Lembro-me de, menino, emocionar-me sempre que ouvia "Hoje" ou "Universo do teu corpo".
 

Era um momento mágico. "Esse é o cara que me entende", pensava. 
Mais tarde, descobri nele elementos de humanidade e civismo que mais me surpreenderam, pela identificação da sensibilidade e das ideias!
 

Era um grande companheiro,Taiguara! 

Um homem raro!  

Ouvindo-o hoje sinto um pouco de tristeza, porque o futuro que ele sonhou não amanheceu no mundo, nem as crianças cantam livres sobre os muros, ensinado os homens a amar sem dores!
 

Sinto que perdemos, amigo! 

Olho para os homens todos pensando para si, dispersados, alienados, sombrios. 
E, no entanto, quero tocar a mão e alcançar-te.
 

Olhas-me, do computador, e quase sinto sua presença...
 

Não existe, amigo, o mundo que sonhamos. 

Esse mundo é só nosso, privilégio dos exilados! 

Que me dirias do deserto de aço de hoje? 

Do conglomerado de egoísmos? 
Da mediocridade quase absoluta?
 

Não sei, amigo, o que dizer-te...  
Agora vejo-te em tuas filhas bonitas, morenas, filhas do continente...
 

Ainda com residência na terra, amigo, nós os que ficamos, cabe-nos resgatar em tua memória as lições de civilidade, fraternidade e beleza!
 

Em mim és histórico como as rochas! 

23 de junho de 2004

Texto do livro "Bom Dia, Espanha !" (primeira edição esgotada). 



Marcelino Rodriguez é colunista sazonal do Blog Luiz Domingues 2. Escritor de vasta e consagrada obra, oferta-nos com mais uma crônica evocando a figura do saudoso compositor/cantor e pianista, Taiguara. 

Pode-se acrescentar o fato de Taiguara ter sido poeta também e não temos dúvida de que sua música poética nos faz muita falta nos dias atuais, onde a MPB chafurda pela invasão da subcultura e/ou da anticultura.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 216 - Por Luiz Domingues

Ainda torpe pelo foguetório a comemorar os gols da seleção brasileira, mas sem vontade para sair daquela cama quente de jeito nenhum, até pelo menos o meio-dia, fui massacrado pelo toque intermitente do telefone do hotel. Não havia pedido para me chamarem da recepção, a despertar-me, pois a ideia programada fora realmente sair na hora limite da diária, visto que a distância entre Blumenau e a capital, Florianópolis, era mediana e mesmo a contar com a prudente margem de vantagem para prevenir eventuais problemas na estrada, não haveríamos de nos atrasar.
Todavia, não foi o que aconteceu, pois a quebrar todo o planejamento, se tratou do Junior do outro lado do fone, a comunicar-me de forma agoniada que deveríamos partir de forma acelerada, pois ao olhar o jogador, Cafu, a levantar a Taça de campeão na mão, e ouvir a gritaria e foguetório nas ruas, deu-lhe o insight que ficaríamos presos nas comemorações de rua e assim, ficara desesperado, ao temer por um atraso mastodôntico...

Enfim, todo mundo saiu com a feição facial "amassada" dos quartos, a lamentar muito estar a deixar o conforto de um Hotel cinco estrelas e naquele frio do sul, assim, às pressas, como se estivéssemos a perder o último trem para Clarkesville ou Jaçanã, como queira o leitor. 

Entramos no ônibus e realmente houve uma movimentação popular intensa em Blumenau, mas longe de se observar uma interdição completa das ruas. Além do mais, era uma cidade interiorana, e mesmo que isso ocorresse, não seria muito difícil desvencilhar-se da multidão de torcedores ufanistas, e de fato, foi o que ocorreu. Rapidamente já estávamos na estrada, e a adrenalina absolutamente desnecessária já havia devidamente abaixada no organismo de todos da comitiva.

Bem, chegamos em Florianópolis muitas horas antes da previsão da casa onde apresentar-nos-íamos, abrir para a montagem do palco e soundcheck. O show ocorreria em uma casa noturna de ambientação Rocker, chamada: "Underground". 

Ficava localizada na avenida que margeia a Lagoa da Conceição, um lugar de uma beleza incrível e recheada de turistas, com a imensa maioria formada de argentinos, tanto é assim, que muitas placas de informações são bilíngues ali, com português e espanhol grafados lado a lado. 

Almoçamos nas imediações da referida casa, em um restaurante decorado com motivações náuticas, e após uma longa espera, finalmente fomos aguardar a abertura da casa onde faríamos o nosso show

A cidade de Florianópolis estava festiva pela vitória da seleção brasileira, mas também houve a notícia da morte de uma personalidade religiosa famosa e querida, o Chico Xavier.
Dias antes já havíamos amargado a notícia da morte do lendário baixista do The Who, John Entwistle, que nos chocara profundamente, visto ser um dos grandes ícones da história do Rock, evidentemente. Bem, mortes de celebridades e ufanismo futebolístico a parte, estávamos prestes a encerrar essa fase da turnê pelo sul do país. 

Florianópolis foi a última etapa para nós e podíamos já comemorar antecipadamente o sucesso dessa turnê, independente de como seria o show no "Underground". Como uma praxe, sempre que sentíamos uma vibração positiva do local, e das pessoas envolvidas na produção, a infraestrutura deixava a desejar...

Tratava-se de uma casa rústica, a se parecer com um mini centro cultural aberto para artistas do underground e daí o nome do estabelecimento ser coadunado com esse espírito, mas o equipamento de som e iluminação eram precários. 

Na base da boa vontade, o pessoal responsável se desdobrou para providenciar ajustes de improviso, e assim o som melhorou um pouco, mas mesmo assim, seria sofrido tocar com um PA tão tímido.

Quando a noite chegou, compensamos toda a precariedade do equipamento e fizemos um dos mais energéticos shows não só dessa etapa da turnê, mas creio que do ano inteiro até ali. Foi um clima de show de Rock de outrora que contagiou o público presente, que era inteiramente antenado nessa vibração e tal sinergia nos fez levantar voo naquele palco escuro, carente de uma iluminação alucinante e condizente com a vibração ali estabelecida.

Aquela plateia formada por Rockers merecera nos ver no auditório Fillmore West, com aquela vibração de 1970!

Bem, a suar aos píncaros, deixamos o palco mega satisfeitos com a energia do show, e o assédio foi grande embora não fosse um grande contingente presente.  
Com o amigo, Paulo Valério Silva, o "Pevê", no camarim do "Underground". Ele foi nos ver naquela noite e vibrou na mesma sintonia. Foto rara dessa noite, e do acervo dele mesmo.

Aconteceu no dia 30 de junho de 2002, no Underground de Florianópolis.

Bem, fechada com chave de ouro essa etapa da turnê, voltamos para São Paulo extenuados pela somatória dos onze dias longe de casa.
Não tivemos grandes problemas com o ônibus (troca da caixa de câmbio em Passo Fundo-RS, além de um pneu furado em São Leopoldo-RS), e poucos aborrecimentos com fatos corriqueiros extra musicais, apenas.

Nos despedimos do pessoal do Underground e entramos no ônibus ainda no fim da noite de domingo, com vontade de voltar para São Paulo, sem escalas, dado o cansaço acumulado. Relaxados dentro do ônibus, e a apreciar a paisagem noturna belíssima de Florianópolis, o astral quebrou-se como por encanto, quando alguém notou que o banner da venda de discos e souvenirs não estava dentro do carro.

Um dos roadies havia esquecido o banner na casa noturna. O "seu" Walter sugeriu voltarmos, mas o Junior pediu para ele seguir em frente, pois provavelmente a casa já estaria fechada e seria um aborrecimento ter que ligar para o responsável voltar e abrir etc. e tal. Paciência, mais um prejuízo de última hora, desta feita de pequena monta, menos mal.

A viagem seguiu tranquila e já na alta madrugada, todo mundo dormia, menos eu que ficava ligado o tempo todo e a conversar com o "seu" Walter.

Então, eis que repentinamente perdemos a luz externa do nosso ônibus. Walter me disse que provavelmente perderíamos a ignição se parássemos para verificar o ocorrido e assim, ele sugeriu que parássemos em um posto onde houvesse a certeza de haver um eletricista, para não corrermos riscos. 

Já estávamos adiante de Curitiba, a nos aproximar da fronteira de estados entre Paraná e São Paulo, quando achamos um posto com um auto-elétrico aberto. Quando o ônibus desacelerou e fez manobra de entrada no posto, os demais foram a acordar e a perguntar o que ocorria e o "seu" Walter se pôs a explicar, mas daquele seu jeito enigmático, a dar a entender que teríamos problemas.

Como quase todo mecânico de beira de estrada, o sujeito fez suas verificações e foi a emitir indiretas a dar conta de que seria difícil achar um dínamo novo naquela hora em seu estoque etc. e tal. A nossa sorte foi que o "seu" Walter falava a linguagem dessa gente e ficou atento ao sujeito, a barganhar e a peça "miraculosamente" apareceu em uma embalagem lacrada em algum compartimento secreto daquele barracão insalubre, e nos foi vendida por um preço um pouco acima do normal de mercado. Se estivéssemos sozinhos, o rapaz teria nos arrancado o dinheiro absurdo que pedira inicialmente.

Enquanto instalava, ouvimos um barulho incrível na estrada, e de-repente, a surgir de uma curva, vimos um caminhão que apareceu a capotar e parar com um violento estrondo na encosta de rochas.  

Pior que ver um acidente desse porte, ali a menos de cinquenta metros de distância de onde estávamos, foi ver que em meio a pessoas que socorriam o caminhoneiro todo ensanguentado e atordoado, uma multidão de inescrupulosos aproveitadores mórbidos da ocasião, apareceu sabe-se de lá de onde, e iniciaram um saque que pareceu um ataque de gafanhotos à carga do caminhão. Foram caixas de bolachas (entenda "biscoitos", se você que estiver a ler não for paulista ou gaúcho). Fiquei chocado com a cena, mas muita gente que estava no posto, portava-se como se estivesse acostumada com uma barbaridade dessas e... bem, é o povo brasileiro e depois se surpreendem que certas pessoas proeminentes na sociedade sejam gatunas, ora, de onde elas vem, se não é do seio desse mesmo povo com essa índole?  

Sem meios para ajudar, ficamos chocados, e temerosos a pensar em todo o nosso equipamento no ônibus. Se roubavam caixas de bolachas com aquela volúpia animalesca...

Consertado o nosso carro, voltamos para a estrada e vimos que a Polícia Rodoviária e ambulâncias de paramédicos estavam a chegar para socorrer o caminhoneiro. Quanto à sua carga, bem, tudo foi saqueado e ao ver pelo lado da desigualdade, talvez o conceito expresso acima não se coaduna com a realidade que faz com que pessoas passem fome, sem nenhuma chance de reverter tal quadro macabro de uma sociedade tão injusta. 

Chegamos em São Paulo já na metade da manhã, extenuados, mas felizes pelo cômputo geral da turnê. O nosso próximo compromisso formal, seria cumprido apenas no mês de julho, com mais três shows no Centro Cultural São Paulo.

Continua...

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 215 - Por Luiz Domingues

Chegamos em Blumenau com muita tranquilidade, na tarde do sábado. Esse show seria sui generis para a banda, pois a proposta do contratante era boa, pois seria uma festa a comemorar os dez anos da coluna de um jornalista social local, através do jornal estadual. Jornal de Santa Catarina.
Mas houve um componente exótico nessa história: seria realizado na praça de alimentação de um Shopping da cidade! Qual artista não passou por situações inusitadas no decorrer de sua carreira?

Pois é, a Patrulha do Espaço iria tocar em uma praça de alimentação de Shopping Center, onde naturalmente muitas mesas estariam reservadas para os convidados do colunista, Horácio Braun, mas muito usuários normais do Shopping estariam misturados, e naturalmente que haveria uma sensação de estranheza generalizada.

Outro fator a nos limitar seria a orientação prévia de que deveríamos observar uma disciplina férrea no tocante à dinâmica. Eu toco atualmente (2015), e já toquei anteriormente, em bandas que fazem/faziam dinâmica com muita normalidade, mas a Patrulha do Espaço não tinha essa característica. Banda com volúpia Rocker na tradição de bandas de expressão, do porte como The Who e Led Zeppelin, dinâmica não constava do dicionário da Patrulha do Espaço.
Bem, além do cachê, havia a vantagem da festa ser de um colunista social de prestígio na cidade, mas artisticamente estávamos apreensivos sobre a performance, ao pensar no local inadequado, a questão da dinâmica, e também pelo equipamento que sabíamos de antemão se tratar de um PA muito modesto, adequado apenas para apresentações intimistas de voz & violão, na melhor das hipóteses.

Bem, a hospitalidade estava ótima, e o mínimo que poderíamos fazer seria nos imbuirmos de muita boa vontade e dar o nosso melhor dentro desse cenário não adequado para nós, em respeito ao contratante e de seus convidados.

Sobre o repertório, cogitou-se fazermos algumas concessões e a ideia seria resgatar algumas músicas que tocáramos em formato acústico, em show realizado no Sesc Pinheiros em São Paulo, dois meses antes. De fato, o kit de violões estava conosco na bagagem da viagem, e poderíamos ter feito isso.
Todavia, ponderou-se que nunca mais houvéramos ensaiado músicas com tais arranjos e seria um risco apresentá-las assim, despreparadas. Então, resolvemos fazer o repertório habitual e tentarmos segurar na mão, o ímpeto natural da banda.

Havíamos nos hospedado em um hotel de categoria em Joinville, mas em Blumenau, o contratante não economizou e nos colocou em um hotel cinco estrelas, portanto, o conforto ali foi ainda melhor que o da noite anterior e o relaxamento pré e pós-show foi muito grande para nos dar energia para encerrarmos a turnê no dia seguinte em Florianópolis, e voltarmos para São Paulo, a seguir.

Bem, foi a véspera da final da Copa do Mundo e a cidade estava toda mobilizada para esse jogo que seria transmitido diretamente do Japão, na manhã de domingo.
Tão bonita quanto Joinville, Blumenau também tem traços fortes da cultura germânica. Isso é público e notório, mas constatamos in loco e apreciamos isso. O hotel era muito próximo do referido Shopping, e a caminhada foi prazerosa, mesmo com o frio intenso e outra lembrança que guardo é a do Junior a usar um chapéu alemão típico que comprou no comércio de rua, naquela tarde.
Quando chegamos ao Shopping Neumarket, vimos que ele estava lotado, o que era normal para um sábado a noite, ainda mais em uma cidade interiorana que não prima por ter muitas opções noturnas.

A praça de alimentação estava bem lotada e o jornalista, Horácio confraternizava-se com os seus amigos, quando uma banda de abertura foi se apresentar. Apreciamos o inusitado da situação, pois ao contrário de estarmos habituados a contar com bandas de Rock como abertura de nossos shows, desta feita se tratava de uma banda especializada de folclore germânico, típica, inclusive nos trajes que usavam.
Bem, Blumenau tem uma tradição fortíssima a começar pelo Oktoberfest, uma tradicional festa alemã, portanto, foi mais do que natural, para eles, esse tipo de atração programada.

De nossa parte, gostamos muito da apresentação da banda: "Meiose", com o seu cancioneiro folclórico teutônico e muito agradável. Mas ao mesmo tempo que assistíamos a apresentação desse grupo folclórico, nos preocupávamos, pois o som deles era uma "pluma" perto do nosso, e fora a aceitação deles que era total pela questão cultural da cidade e o nosso, sendo Rock autoral e fora do padrão maisntream, certamente haveria de causar estranheza. Enfim, estávamos na chuva e a melhor coisa seria nos molharmos com dignidade...

Portanto, fomos resignados para a apresentação e para a nossa total surpresa, o nosso set list não causou grande estranheza e pelo contrário, não observamos dispersão constrangedora, tampouco hostilidades. Tocamos com um patamar de volume bastante desagradável, é verdade, mas foi um show até razoável ao se considerar os nossos limites ali observados.

Claro, mesmo com tais condições mais adversas, sempre haviam fãs... eram poucos, mas lá estavam eles munidos de capas de discos em mãos, inclusive o "Chronophagia", que fora o trabalho mais recente da nossa formação, no afã de pedirem-nos autógrafos.  

Fomos dormir satisfeitos com o resultado e o jornalista Horácio, também apreciou a nossa apresentação, quando nos agradeceu por termos feito a apresentação em sua festa.

No hotel, o aquecedor no quarto foi providencial, com aquele frio rigoroso do sul e lembro-me de ter apagado, e só vim a acordar atordoado pelo foguetório, quando o centroavante Ronaldo mandou duas bolas para a rede do goleiro Oliver Kahn. Pior que essa gritaria nas ruas, foi quando o interfone tocou e eu ouvi a voz do Rolando Castello Junior...

Continua... 

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 214 - Por Luiz Domingues

Saímos na hora do almoço para Joinville-SC e tivemos um problema logo no início, pouco além de São Leopoldo, quando um pneu estourou na estrada. Nada muito problemático, pois demos sorte de ser um pneu sob melhores condições, e no primeiro borracheiro que encontramos, resolvemos o problema sem um maior trauma.

Dali em diante, a viagem foi prazerosa ao extremo, com longos trechos a vermos a orla marinha do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, e a conversa foi animada dentro do "azulão".

Chegamos em Joinville com tranquilidade e com um bom tempo hábil antes da chegada do dono do estabelecimento. Tratava-se de uma casa com amplitude, praticamente um galpão que em outra época possivelmente serviu de armazém para as atividades do pequeno porto de água doce da cidade. Chamava-se: "Cais 90", e ficava à beira de um rio, perto do centro da cidade.
Enquanto o dono do estabelecimento não chegava, resolvi dar minha volta rotineira pelas imediações, à cata de uma banca de jornais, pois eu criara o costume de comprar os jornais locais, por conta de possivelmente existir a possibilidade de ter sido publicada alguma matéria, ou no mínimo um tijolo com o serviço do show no caderno de atrações culturais do dia.

Como nas cercanias eu nada achei, fui a caminhar até o centro da cidade que não era tão distante dali e fiquei bastante impressionado com a beleza da cidade, com várias construções residenciais principalmente, em estilo germânico acentuado. Muitas das ruas continham nome em duas línguas, grafadas em português e alemão, a mostrar o óbvio que eu já sabia, mas comprovei in loco: a força da imigração alemã na região, era enorme.

Quando eu voltei para o estabelecimento, o dono já havia chegado e os nossos roadies estavam a todo vapor a conduzirem o equipamento para o palco. O dono do estabelecimento era um rapaz de meia-idade, muito educado e simpático, a nos recepcionar muito bem em sua casa. Mas apesar dessa hospitalidade agradável, houve um problema no equipamento de PA da casa: só havia a metade de um equipamento normal, portanto, trabalhava sob um sistema mono, muito bizarro, eu diria. 

Leigo no assunto, o dono nem entendia o que lhe falamos sobre o equipamento, pois promovia shows ali para bandas locais que estavam acostumadas a usá-lo dessa forma, sem reclamar de nada.
Bem, fazer o que em uma circunstância dessas? 

Montamos o nosso backline e nos conformamos em ter um PA mono no show, o que foi absolutamente bizarro. Ficamos alojados em um bom hotel e após o jantar, fomos para o Cais 90, para esperar a hora de tocar.

Quando entramos no local, a casa estava abarrotada, o que nos animou, mesmo sob a perspectiva de ser mais um show em casa noturna inadequada. Nesses termos, estávamos mais do que acostumados a lidar com tal tipo de adversidade de nos apresentarmos para plateias não Rockers, e sem noção alguma de quem éramos, portanto a desconhecer nosso repertório.

Pela aparência geral, parecia ser uma juventude burguesa da cidade, mas não hostil, pois assistiram o show com atenção, e aplaudiram educadamente todas as músicas. Contudo, havia uma ala Rocker também, e esta se mostrou bem animada.

Nessa foto ao vivo de "Os Depira", Parffit está do lado esquerdo, com um baixo Rickenbacker em suas mãos.

Ali nessa noite eu conheci o baixista da banda "Os Depira", bastante conhecida na cidade, e que foi mais um dos encontros bacanas que sempre cito na minha história com a Patrulha, que me surpreenderam positivamente. A banda não tocou na abertura do nosso show, mas foi muito bacana ter conhecido Parffiti Balsanelli, e verificado que ele era um rapaz na nossa sintonia. 

Em nossa conversa, lembro-me bem que falamos bastante sobre Rock progressivo, onde ele citou bastante as bandas italianas setentistas que eu também aprecio bastante, caso do "Banco Del Mutuo Soccorso", entre outras.

Bem, muitos anos depois, tive o prazer de publicar uma resenha de um álbum de "Os Depira" em meu Blog 1, cujo link está aí abaixo:

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/2014/11/cada-qual-com-seu-vicio-os-depira-por.html

De volta ao show, foi bom pela junção da animação dos Rockers locais e fãs da Patrulha do Espaço, com a boa vontade educada do público alheio em se portar placidamente perante um artista desconhecido por ele. Saímos satisfeitos do palco, portanto.

Aconteceu no dia 28 de junho de 2015, uma sexta-feira, e o "Cais 90" recebeu cerca de cento e cinquenta pessoas nessa noite. No dia seguinte, haveria um outro show em outra cidade, mas com percurso pequeno a se cumprir. Iríamos para a não menos bela, e fortemente influenciada pela cultura germânica, Blumenau.

Continua...   

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 213 - Por Luiz Domingues

Chegamos no meio da madrugada em São Leopoldo-RS, sem nenhum problema com o ônibus e sob a condução firme de nosso motorista, "seu Walter". Com o nosso amigo, Luciano como guia, tudo foi facilitado também em termos de caminho.
Novo Hamburgo e São Leopoldo ficam tão perto uma da outra, que a impressão é que se muda de um bairro para outro.

O local onde tocaríamos em São Leopoldo seria novamente o BR3 do "Biba", aquele freak doido e cheio de ideias mirabolantes que encontráramos em janeiro. Toda a produção seria novamente do amigo, Luciano, e mais uma vez, a sua banda faria a abertura do nosso show, mas desta feita não seria a banda Tributo ao Black Sabbath, "Sabbra Cadabra", mas sim um trio onde curiosamente ele tocaria baixo ao invés de guitarra, desta feita com proposta de executar covers variados e denominado: "Voodoo Trio".

Tudo foi basicamente igual ao show anterior, mas desta vez houve maior agilidade, pois todo mundo já sabia das limitações de uma casa pequena e dotada de fraca infraestrutura e sendo assim, o Luciano antecipou-se e tomou as providências devidas.

Após o rápido soundcheck, tivemos um bom tempo livre e nós dispersamos, sem marcar um jantar oficial da comitiva em algum restaurante, portanto, cada um se aventurou sozinho pelo centro da cidade de São Leopoldo e nessa caminhada que fiz acompanhado do Junior, vimos que havia uma outra casa noturna de ambientação Rocker, alguns quarteirões distante do BR3 (na avenida Lindolfo Collor), e com as suas portas abertas, entramos e vimos que a banda, "Autoramas" fazia o seu soundcheck. 

Foi interessante constatar que mesmo em outro mundo, e especificamente no caso deles, o do universo do "Indie Rock", eles estavam a labutar duro como nós, a tocar em meio às turnês montadas no ambiente do underground da música. 

Fizemos o nosso show e foi mais uma vez sensacional. São Leopoldo nos recebia com um calor Rocker extraordinário novamente e aquele público emocionou-se e também à nós mesmos, com a sua reação muito intensa.

Em um dado momento do show, quando eu falei ao microfone que havíamos tocado em Porto Alegre, dois dias antes, para agradecer o carinho do público gaúcho, alguns gritos de repúdio aos porto-alegrenses soaram no ambiente. Alguns mais exaltados xingaram os habitantes da capital gaúcha, e claro que tal manifestação nada teve a ver comigo, tampouco com a nossa banda. Foi uma pura rixa local entre cidades e a seguir, alguém começou a cantar o hino gaúcho, e todos se uniram, sob uma demonstração impressionante de comprometimento com a sua cultura regional.

Passado esse momento de demonstração do orgulho gaúcho, o show prosseguiu e tudo continuou na sua normalidade, com a banda a mil por hora na performance, e o público em estado de êxtase.

No dia seguinte, seguimos para Joinville-SC e o nosso amigo, Luciano Reis, viajou conosco como convidado. Ele teria que voltar a São Leopoldo no sábado, mas aceitou assim mesmo aproveitar mais um pedaço da nossa turnê. E claro que foi um prazer contar com ele em nossa comitiva.

Ótimo show em São Leopoldo, agora estava encerrada a etapa gaúcha e voltaríamos para Santa Catarina, onde mais três shows nos esperavam: Joinville, Blumenau e Florianópolis.
Continua...

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 212 - Por Luiz Domingues

Chegamos em Novo Hamburgo-RS com muita tranquilidade e bem antes do horário combinado para a abertura da casa, arrumarmos o palco e realizarmos o soundcheck. A casa tinha nome e ambientação condizente com seu nome: Abbey Road.

Dessa forma, haviam muitos itens de decoração que remetiam aos Beatles, naturalmente, mas também outros ícones do Rock e do Blues internacional, presentes. 

O dono do estabelecimento montou um pub aconchegante, sem dúvida alguma, e com uma estrutura a ser considerada até boa para uma banda tocar, logicamente ao se considerar o fato de que as dimensões do estabelecimento eram pequenas.

Gostamos muito da ambientação Rocker, e Beatle, sobretudo, fizemos o soundcheck e aguardamos a hora do show nas imediações, ao jantarmos ali por perto. Não dormiríamos em Novo Hamburgo, pois nosso plano foi irmos direto para São Leopoldo-RS, onde tocaríamos no dia seguinte.

Um bom público compareceu à casa de Novo Hamburgo, e o dono surpreendeu-se, bem naquela dinâmica de não acreditar em uma banda de trabalho autoral, acostumado que estava a produzir costumeiramente bandas cover no seu estabelecimento. Mas também pelo fato de ser uma quarta-feira, dia difícil normalmente para se produzir shows.  E vou além, foi um bom público, bem animado e nos deixou bastante satisfeitos, naturalmente.

O nosso amigo de São Leopoldo, o guitarrista, Luciano Reis, apareceu e foi nosso guia para seguirmos na madrugada para sua cidade, onde tocaríamos no dia seguinte.
Continua...

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 211 - Por Luiz Domingues

Nós tocaríamos novamente no estabelecimento, Manara, casa noturna bem estruturada, e que já havíamos visitado em turnê anterior pelo sul, em janeiro desse mesmo ano de 2002.

Desta feita no entanto, a produção não estava tão caprichada como da vez anterior, em termos de divulgação, e a presença de público ficou bem abaixo do que esperávamos.

Fizemos o show no padrão habitual, naturalmente, e foi até surpreendente sob um certo aspecto. Explico: na ocasião anterior, havia mais gente presente, mas não conseguimos estabelecer sinergia com o público. Desta feita, o público foi menor, mas a empatia foi muito melhor... vá entender...

O nosso amigo, Evandro Damari, fez o show de abertura e depois ele teve uma participação em nosso show. A banda "Spartacus" também fez show de abertura.
                       O bom guitarrista gaúcho, Evandro Demari

O som do Evandro e da sua banda de apoio era bem no estilo do Blues-Rock, com muita qualidade e técnica e o Spartacus apresentou um som mais pesado, no limite do Hard-Rock, quase a beirar o Heavy-Metal.

Voltamos para o hotel e a terça-feira seria livre para a banda, sem compromissos oficiais. Mas claro que aproveitamos para fazer contatos e no meu caso, eu fui com o Rolando Castello Junior a várias lojas de discos de Rock no centro da cidade, ao estilo das lojas da Galeria do Rock de São Paulo. Foi uma tarde agradável, sem dúvida, a conversaro com muitos lojistas, e que na tradição desse tipo de empreendedores, eram todos profundos conhecedores da história do Rock.

Um fato desagradável ocorreu quando estávamos em uma dessas lojas do centro da cidade, mas alheio completamente à nós e a loja. 
Infelizmente, presenciamos um assalto do outro lado da rua, muito rápido, quando um "trombadinha" assaltou um senhor idoso. Aliás, era um "trombadão", pois o sujeito tinha seguramente mais de 1.90 de altura, e com tal porte avantajado, empurrou o pobre vovô e lhe arrancou a carteira em uma fração de segundos. Não deu tempo nem de esboçar tentar ajudá-lo, com o meliante a evadir-se rapidamente.  
Para amenizar o astral depois dessa triste ocorrência, nós apreciamos muito uma visita à Casa de Cultura Mario Quintana ali no centro de Porto Alegre. Na parte noturna, todos foram aproveitar a noite de Porto Alegre, mas eu preferi fazer uma caminhada pelo entorno do hotel, ao fazer um reconhecimento do bairro. Eu gosto de conhecer cidades dessa forma, a caminhar a pé e eventualmente a usar o transporte público local. O frio apertou e eu resolvi parar em uma pizzaria que pareceu-me simpática, e ali jantei sozinho, mas a apreciar o ambiente.

No dia seguinte, enfim tivemos a continuidade da turnê, com um show na cidade de Novo Hamburgo-RS. Para quem não conhece o estado do Rio Grande do Sul, é bom esclarecer que tal cidade fica muito perto de Porto Alegre, a se colocar no espectro de sua região metropolitana, com muitas outras cidades agrupadas.

Por ser perto, nos demos ao luxo de programar viagem somente para o período da tarde, portanto ainda tivemos mais algumas horas na capital gaúcha. No café da manhã, ficamos a ver o jogo da semifinal da Copa do Mundo, e o Brasil venceu por 1x0. O Rodrigo saiu sozinho para um passeio matinal pelo bairro e filmou tal passeio. Nessa filmagem, dá para ouvir as pessoas a gritar e o foguetório motivado pelo gol marcado pelo Brasil, o que chega a ser curioso como registro.

Após o almoço, partimos para Novo Hamburgo-RS, onde tocaríamos na noite de quarta-feira.
Continua...