quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Autobiografia na Música - Patrulha do Espaço - Capítulo 116 - Por Luiz Domingues

Eu ainda estava a retirar o meu baixo do suporte, quando ouvi vários impropérios que vieram das primeiras fileiras de pessoas próximas à grade de proteção, ante o fosso de jornalistas e fotógrafos. Chamava-nos de: "bichas", "veados", fora outras pessoas aos berros a tecer considerações esdrúxulas sobre a nossa vestimenta.

Calças "boca-de-sino", batas coloridas e acessórios como echarpes de seda, não continham conotação Rocker para esse pessoal desconectada da história do Rock. Aos olhos dessa juventude dos anos 2000, não existia conexão emocional alguma com o passado, portanto, não havia conotação "retrô", "vintage" e que tais. Por não reconhecer o nosso visual como algo que remetesse ao Rock propriamente dito, tal massa demonstrara de uma forma muito triste, que o fio-da-meada estava rompido irremediavelmente, há muito tempo. Acostumados aos valores pós-1977, essa massa olhava para nós e de uma forma bizarra, não nos reconhecia como Rockers, justamente porque o seu paradigma se colocara como diametralmente oposto, e em sua visão deturpada, Rockers eram aqueles trogloditas de bermudas que estavam em voga.

Deduzia-se que nunca ouviram falar sobre Chuck Berry, nem dos Beatles. Jimi Hendrix e Janis Joplin talvez fossem apenas fantasmas oriundos de uma Era longínqua e o Led Zeppelin, em sua concepção, provavelmente representaria uma marca de pneumáticos alemães...

Enfim, foi uma demonstração muito triste em meu caso, pelo menos, pois denotou a constatação do estrago que por tantos anos eu denunciei, e não apenas fui uma voz isolada a pregar no deserto, como muitas vezes fui tido como um louco dotado de uma opinião delirante, como se fosse uma mera teoria da conspiração, até por gente que supostamente deveria no mínimo, entender-me, ainda que não concordasse com a minha linha de raciocínio.
Naqueles segundos diante de tal recepção aviltante, senti-me o personagem do astronauta, Taylor, do filme: "O Planeta dos Macacos", a desferir socos na areia, inconformado com o desastre  apocalíptico de quem acreditou e achou conveniente seguir com furor o manifesto niilismo barato. -"seus malditos, vocês enfim conseguiram"... disse Taylor no filme, diante dos escombros devastadores da estátua da liberdade...

Claro que estou a edulcorar a situação, mas no seu âmago, simbolicamente a falar, foi o que aconteceu naquela aviltante recepção que tivemos dos fãs da banda formada por ogros grosseiros que fecharia o evento.

Contudo, apesar de sermos aos seus olhos, completos desconhecidos a usar um de visual desconectado (pasmem! a maldita inversão de valores), assim que iniciamos a nossa apresentação, foi nítida a mudança de comportamento do próprio público. Não posso afirmar que adoraram o show e nos ovacionaram, mas de uma situação adversa ao sentimento de escárnio gratuito e má vontade extrema com a nossa presença, em segundos tais pessoas adotaram a postura de ouvir e aplaudir, pois mesmo não acostumados com um show de Rock, propriamente dito, a nossa sonoridade foi sofisticada demais em relação às bandas que suceder-nos-iam.
O Biquini Cavadão fazia aquele som Pop de FM oitentista e ainda que baseado na simplicidade do padrão popular, tinha em suas fileiras, músicos com qualidade, isso eu não posso negar. 

Mas a outra banda, viria ao palco com aquela proposta de agressividade no estilo do crossover do punk com o metal, acrescido da verborragia suburbana do rap gangsta e derivados dessas vertentes vergonhosas que conspurcam a Black Music gloriosa e verdadeira, que amamos. Então, nesses termos, foi um contraste e tanto evocarmos psicodelia e o Prog-Rock na mesma tarde em que os homens das cavernas se pronunciariam e para piorar, com a ambientação toda favorável para eles e hostil para nós...
Portanto, esperávamos uma reação negativa de tal público, ainda mais agressiva que os escárnios desrespeitosos do início, mas para a nossa surpresa, arrancamos aplausos e convenhamos, tal tipo de público não aplaude "por educação", costumeiramente.

Foi um show de choque, evidentemente, e naquelas condições tão especiais e plenas de adversidades como eu já relatei. Não cometeríamos a loucura de fazer um show longo naquelas circunstâncias. E muito interessante, foi tocar: "Terra de Minerais", um tema Prog-Rock e intrincado, onde certamente aquele público acostumado a uma sonoridade agressiva e nada sutil, não entenderia a proposta, certamente.
Pelo contrário, fiquei surpreendido com a reação, pois esperava que se indignassem com tantas passagens, convenções e climas, ou seja, recursos musicais de um universo do qual nunca houveram tomado conhecimento, sequer. Saímos do palco sob aplausos, inclusive quando falamos sobre a nossa banda rapidamente, a divulgar contatos de internet que já estávamos a iniciar naquela época e venda de discos etc.
Voltamos ao camarim e enquanto o Biquini Cavadão tocava, sentíamos uma certa satisfação pelo sacrifício todo empreendido e a absorção de alguns dissabores naquele dia, que estavam minimizados pela boa performance e reação do público. O intuito fora cumprido, pois o que esteve em jogo naquela tarde, foi o esforço para abrir uma porta no universo do Sesc e acredito que logramos êxito, pois outros shows sucederam-se em outras unidades doravante, principalmente no ano seguinte, 2002, conforme eu relatarei com detalhes na cronologia adequada.

Quanto à produção da emissora de rádio em questão, assim como nos ignorou o tempo todo, procedeu-se no pós-show. Foi como se não existíssemos aos seus olhos, sob uma demonstração de desprezo bastante acentuada.
Nesse caso, isso não me incomodou em nada, tampouco aos demais, mesmo no caso do Rolando Castello Junior, sempre atento em sua visão periférica no que concerne às nuances de qualquer produção.

E não vou citá-la, pois era a típica emissora comprometida até a sua medula com esquemas espúrios de empresários, gravadoras, jabá e armações da máfia que rege o mundo da música mainstream, portanto, não merece consideração diante desse tipo de atuação predatória com a qual enxerga a arte. Se arvorava como uma estação que privilegiava o Rock como uma instituição grandiosa, mas na verdade, apenas usava o rótulo "Rock" ao seu bel prazer, para promover as mais equivocadas deturpações em nome do gênero e claro, a criar artistas de laboratório, na medida dos "hypes" efêmeros que criava, através de seu respectivo departamento de marketing.
A arte passava longe de seus desígnios, para sermos brandos em uma avaliação realista.

Satisfeitos, na medida do possível que a situação nos proporcionara, entramos no nosso humilde ônibus velho, a regozijar-nos de um fato concreto: não éramos uma banda a usufruir das mordomias do universo mainstream, mas ao menos o nosso ônibus era próprio... seria possível viver com esse consolo prosaico?

Esse show aconteceu no dia 23 de setembro de 2001. Apesar de ser um espaço ao ar livre onde o Sesc costumava promover shows para até vinte e cinco mil pessoas, nesse dia o público foi bem inferior a essa marca.

No instante em que tocamos, o meu "olho clínico" me disse que havia cerca de quinhentas pessoas no lugar, com a metade pelo menos a se aglomerar na grade de proteção e os demais dispersos, sentados ou mesmo deitados no chão. Quando o Biquini Cavadão começou a tocar, aumentou bastante o contingente, e foi natural que isso acontecesse. Nesse momento, mais de duas pessoas já deviam estar frente ao palco.

Aliás, o fato de não haver tido nenhuma menção sequer à nossa participação, contribuiu muito, evidentemente, para não atrair, ainda que um pequeno número, fãs da Patrulha do Espaço. Se o nosso nome estivesse ao menos nos cartazes, tenho certeza de que teríamos atraído um público da zona leste que nos seguia com entusiasmo, e muito provavelmente de cidades do ABC como Santo André e Mauá, que não distam muito dali, no extremo do bairro de Itaquera.

Tanto foi assim, que nas semanas posteriores, recebemos a informação que muitos fãs estavam indignados por tomar consciência de que a Patrulha do Espaço houvera tocado no Sesc Itaquera sem divulgação alguma. Alguns dias depois voltaríamos à nossa rotina de casas noturnas, ao regressar novamente à cidade de Santos, no litoral de São Paulo.

Continua... 

 

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