domingo, 16 de agosto de 2015

Autobiografia na Música - A Chave/The Key - Capítulo 17 - Por Luiz Domingues


Na semana seguinte ao show ocorrido no claustrofóbico palco do "Espaço Alquimia", teríamos dois shows fora de São Paulo. Um deles seria realizado no interior de São Paulo, em uma pequena cidade chamada: "Espírito Santo do Pinhal", fruto de um contato que veio da parte do Eduardo Ardanuy. E o outro, seria no Rio de Janeiro, graças aos esforços de Ricardo Aszmann, o nosso colaborador no Rio.

Sobre o show na pequena cidade interiorana, não esperávamos muita coisa, portanto, guardamos mais expectativas sobre o Rio, onde seria uma boa oportunidade de apresentarmos o nosso som nessa importantíssima capital, onde a velha, A Chave do Sol tinha tradicionalmente muitos fãs, e a sua súbita extinção, seguida da criação não menos surpreendente de uma nova banda dissidente, gerara especulações e certamente a curiosidade dos fãs cariocas.

Para reforçar o conceito, o show a ser realizado na pequena cidade interiorana não nos despertara uma grande esperança de expansão promocional para a nossa banda, mas evidentemente, seria positivo pelo cachê oferecido.

Bem, seriam shows a se realizar no mesmo final de semana, o que nos daria um cansaço físico inevitável, visto que seriam cumpridos em dias seguidos, sem intervalo para viagens mais confortáveis e tempo para descanso entre eles.

Muito bem, isso era raro para uma banda nova, sem empresário e com pouco espaço midiático, portanto, cansaço à parte, comemoramos essa micro-turnê.

Fomos para a cidade de Espírito Santo do Pinhal-SP, no início da tarde no dia do show, 11 de junho de 1988. Ao fazermos uso de uma velha e valorosa Kombi e a levarmos conosco o backline (equipamento de palco), da banda, pois o prometido ali fora apenas contarmos com o P.A. do evento disponibilizado, foi uma viagem tranquila pela estrada boa, mas um pouco sofrida pelo aspecto do conforto interno do carro, bem limitado.

Apesar de estarmos no final do outono, foi um dia quente, aliás a tratar-se do padrão comum para o interior de São Paulo.

Chegamos à cidade, que fica perto de Campinas e Mogi-Guaçú, e nos dirigimos diretamente ao centro de tal município, onde tocaríamos em um evento ao ar livre, com o palco montado de forma improvisada pela escadaria de acesso da Catedral da cidade, logicamente localizada na principal praça do centro, como é típico em cidades interioranas.

Montamos o backline com apoio da produção local e fomos avisados que o soundcheck seria feito a toque de caixa, sem maiores requintes, e já com o público à espreita, pois não podíamos fazer os testes antes da tradicional Missa das 18:00 horas, e haveria uma outra Missa marcada para as 20:00 horas. Bem, acostumados a tocar em condições de monitoração insalubres, como quase todo Rocker brasileiro alojado no patamar de baixo da música profissional, nem ficamos muito contrariados, mas claro que foi mais uma situação aviltante a ser contabilizada para a carreira, certamente.

Arrumado tudo, fomos levados para jantarmos em uma pensão local, e bem próxima,  e fomos a pé, sem nenhum constrangimento, pois era muito perto da Praça central. Na tal pensão, fomos muito bem, tratados pela proprietária e os seus funcionários, além dos seus hóspedes que eram quase todos idosos. Tratou-se de um estabelecimento simples, mas muito aconchegante, com clima de "Lar".

Quando nos chamaram à mesa para o jantar, tomamos um susto, pois a despeito da simplicidade generalizada, a fartura exposta à mesa, foi impressionante, ou seja, honraram a tradição típica interiorana de absoluta hospitalidade e fartura nas iguarias.

Comemos tanto, que quando nos foi servida a sobremesa, ficamos constrangidos, mas não tivemos pudor em atacarmos violentamente aqueles doces e bolos maravilhosos, dignos da fama atribuída para a Tia Anastácia, do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Estávamos todos empanturrados, quando fomos convidados a nos sentar na sala de estar do estabelecimento, e aí nos serviram o cafezinho, como tiro de misericórdia desferido àquele bando de cabeludos gulosos.

Foi quando o Zé Luiz Rapolli, inesperadamente, a olhar para a TV que exibia o Jornal Nacional da Rede Globo, soltou uma pérola inesperada: -"O que será que vai passar no Super-Cine, hoje?"

Hilário! Caímos em uma uma gargalhada coletiva, pois estávamos tão empanturrados, que a perspectiva de assistir um filme e cochilar nas poltronas como se estivéssemos cada um, na sua respectiva casa, por um segundo foi cogitada por todos como numa boa hipótese, com as respectivas panças inchadas a nos induzir ao sono, e quando ouvimos a brincadeira do Rapolli, percebemos então que o foco fora perdido por alguns segundos. Contudo, a realidade foi que tínhamos um show de Rock para fazer, a despeito dos respectivos estômagos absurdamente cheios e a vontade de cochilar a assistir um filme qualquer pela TV...

Quando voltamos à Praça, a segunda Missa da noite ainda estava em curso e tivemos que esperar o seu término, mas já havia uma multidão na praça, a aguardar pelo show. Claro que não se tratou de um público Rocker essencialmente, mas houve uns poucos ali, com alguma noção sobre quem éramos e a deduzir o que aconteceria com a nossa performance ali.

Quando a Missa encerrou-se e os fiéis deixaram a Igreja, fomos autorizados a começar. Por incrível que pareça, o nosso som, certamente muito pesado para os padrões de ouvintes não acostumados a tal sonoridade, não espantou a massa. Aplaudiam com entusiasmo a cada canção encerrada, e na minha ótica, acho que o clima ali entre tais pessoas, era de festa, e por isso, qualquer som os divertiria, mesmo o nosso, que era pesado, cantado em inglês, e repleto por solos virtuosísticos. 

Enfim, foi melhor dessa forma para todos e assim, saímos muito satisfeitos do palco, pois fizemos o nosso show normal e completo, para um público que pareceu se divertir. Além do mais, ganhamos um bom cachê, pago regiamente, e aquele jantar que nos foi  servido... bem, acho que já falei sobre isso.

Voltamos imediatamente para São Paulo, pois no dia seguinte, bem cedo, partiríamos para o Rio de Janeiro, onde uma apresentação no espaço conhecido como "Caverna II" nos aguardava, e aí sim, seria um show importante para a evolução na carreira, mas infelizmente, ao contrário de um público não Rocker oriundo de uma pequena cidade interiorana, ao tocarmos em uma capital importantíssima como o Rio, tivemos problemas. 

Então foi assim, tocamos na praça da matriz da pequena, Espírito Santo do Pinhal-SP, no dia 11 de junho de 1988, com cerca de cinco mil pessoas a nos assistir, segundo a estimativa oficial da PM.

Continua...

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