domingo, 19 de julho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 394 - Por Luiz Domingues


A Chave do Sol não foi a minha primeira banda de Rock em minha trajetória pessoal, mas foi a primeira em que me senti apto a lutar pelo meu sonho primordial, em condições de pleitear chegar a um patamar alto nesse objetivo.

Ao considerar que o Boca do Céu, a minha primeira banda, foi incipiente por ser formada por membros em absoluto início de carreira, e dessa forma, ao não reunir assim condições mínimas de se aventurar em um patamar profissional, mesmo quando em meio aos seus esforços e progressos visíveis, melhorou muito com o decorrer do tempo.  
     O Boca do Céu, a minha primeira banda, em foto de 1977

Ali, o que mais contou foi o sonho de se alcançar o objetivo mais alto possível, para se construir uma carreira sólida, e assegurar assim, um legado artístico eterno, mas tecnicamente a falar, a banda não reunia subsídios para tal (a deixar a ressalva de que se fosse um ideal de todos, poderíamos ter crescido juntos, e a banda ter chegado a um padrão de qualidade, é claro).

Portanto, é evidente que eu guardo com imenso carinho a lembrança dessa banda, pelo seu fator desbravador incrível, e pela energia fantástica gerada pelo sonho em ser um artista consagrado, ao ponto de deixar o nome na história.
O Língua de Trapo em seus primórdios de 1979, a realizar shows improvisados em sala de aulas no circuito universitário

O Língua de Trapo foi uma banda que chegou merecidamente à essa fama, mas há dois aspectos sobre tal trabalho: primeiro e primordial em meu entendimento, não foi a banda de Rock que eu sonhara ter. Aliás, nem era uma banda de Rock. E segundo, apesar de adorá-la e ter muito orgulho de ter feito parte dela como membro (e em duas passagens), não representou a concretização de meu sonho primordial.

O Terra no Asfalto representou uma escola intensiva par5a o meu desenvolvimento musical. Através dessa banda, consegui libertar-me de minha condição como instrumentista iniciante, e dei um salto técnico vertiginoso como músico, que preparou-me efetivamente para buscar enfim uma carreira na música e no Rock, em específico.

No entanto, foi uma pena, pois uma banda por onde passaram guitarristas fantásticos, um tremendo tecladista, ótimos bateristas e vocalistas bons, não vislumbrou ao longo da sua trajetória, nenhuma intenção de se fazer nada além de tocar covers pela noite, portanto, orgulho-me e sou agradecido ao extremo por ter tocado nessa banda, mas ela só me serviu na prática, como uma escola viva de Rock.

Então aonde quero chegar é que na minha história, tais experiências pregressas me são muito queridas e importantes na minha formação, mas foi com A Chave do Sol que eu realmente cheguei ao ponto de resgatar o sonho de 1976, iniciado com o Boca do Céu, ao formar uma banda de Rock autoral, e cercada dos mais belos ideais do Rock.

Em seus primórdios, A Chave do Sol nasceu sem grandes preocupações mercadológicas, portanto, no meio de um vulcão que emitia larva antagônica a nos dilacerar, mas não nos preocupávamos nem um pouco com isso ali no calor dos acontecimentos.

Em 1982, o cenário fora comandado pela escola do Pós-Punk, a comandar o mundo do Rock mainstream (e que perdurou pela década de oitenta inteira, praticamente), e grande parte do underground, também. Portanto, ao criarmos uma banda ainda sob valores sessenta-setentistas nítidos, fomos no mínimo, imprudentes. Todavia, me orgulho muito desse movimento inicial ter sido feito sob essa pureza de propósitos. 

Vibrávamos ainda sob a égide "Woodstockeana" de Jimi Hendrix e de seus pares sessenta-setentistas, e assim foram embalados os nossos primeiros momentos, tanto nos primeiros shows, quanto na criação de nossas primeiras composições.

Eu e Rubens demos esse pontapé inicial por volta de julho de 1982, para criarmos o grupo e após uma tentativa frustrada para arregimentar um primeiro baterista, logo a seguir, convocamos Zé Luiz Dinola, que encaixou-se como uma luva para a nossa banda. Tal defasagem de uns poucos dias, não tirou o seu posto de cofundador da banda, de forma alguma, e assim o considero, é lógico.

Da loucura de se fazer o primeiro show com um vocalista famoso contratado (Percy Weiss), até a entrada de uma joia bruta como Verônica Luhr, tudo foi empolgação, vibração, e eu me sentia de novo nos anos setenta, ao sonhar em fazer parte como membro de uma banda de Rock nos moldes das que eu apreciava e amava: a nata do Rock 1960 & 1970 a desfilar em meu imaginário juvenil como ideário, só que neste instante, foi real, eu tive enfim uma banda em condições de brigar por um lugar no patamar do Rock profissional!

Subimos de condição de uma forma surpreendente para uma banda iniciante e desconhecida, e por conta dessa surpreendente ascensão rápida, logo estivemos a tocar em casas noturnas mais sofisticadas de São Paulo, a conviver com ídolos setentistas que tínhamos, e a também com a turma emergente do BR Rock 80's.  

Se tivéssemos tido a sorte de algum produtor nos achar nessa fase, tudo teria sido diferente. Provavelmente teríamos nos contrariado muito na época com a interferência brutal em nosso som e visual, isto é, teríamos chorado no salão de barbeiro ao vermos as nossas respectivas longas cabeleiras setentistas a serem cortadas impiedosamente, mas com uma cantora sensacional como, Verônica Luhr, em nosso time, o potencial Pop que tivemos, foi imenso.

Mas isso não aconteceu e assim, o nosso primeiro "boom" na carreira, ocorreu quando a primeira oportunidade para tocarmos ao vivo em um programa de TV, ocorreu em julho de 1983, na formação de trio.

Demos muita sorte pois tal programa, chamado: "A Fábrica do Som" se colocava como democrático ao extremo. Sem o odioso jabá mafioso por trás, ali, artistas desconhecidos como nós tiveram chances concretas para mostrar o trabalho, e mais que isso, o público padrão que lotava as dependências do teatro Sesc Pompeia, onde ocorriam as gravações de tal programa, não era formado pela "intelligentsia" do Pós-Punk em voga, portanto, em meio à Hippies, "Bichos-Grilo", seguidores de Raul Seixas & Freaks defasados em geral, portanto, o nosso som ainda pleno de signos setentistas foi ovacionado espontaneamente e aí, tivemos o nosso primeiro impulso a nos tirar do anonimato.

Mais convites para aparecermos na TV, com o portfólio a crescer e a perspectiva de um disco a ser gravado, enfim. Eu já havia gravado antes em estúdio, mas a sensação de ter enfim o primeiro disco de uma banda minha, autoral e de Rock, foi indescritível nesse momento ocorrido em 1984.

Mas nesse ponto, nós já estávamos na luta, e as preocupações menos pueris e sonhadoras de se contentar com tal esplendor de ter realizado um sonho acalentado, já não poderiam nortear os passos e as preocupações, com o gerenciamento da carreira a nos colocar em outros questionamentos. E nesses termos, estarmos atentos aos movimentos do tabuleiro da cena artística, se fez mister.

Já não houve, doravante, nenhuma possibilidade para retroagirmos e abraçarmos uma estética que não apreciávamos, mas que dava as cartas, portanto, as nossas esperanças se colocaram no sentido de acreditarmos nos boatos de que uma outra estética, que igualmente não gostávamos, mas sinaliza ser um pouco mais confortável para nós, e que supostamente teria maiores chances na mídia e indústria fonográfica doravante, e seguramente após a realização do festival Rock in Rio em 1985. 

Para tal aposta, incutimos como uma crença paradigmática que precisávamos de um vocalista com forte potencial vocal e presença de palco esfuziante.  

E lá fomos nós a nos movimentar em prol dessa busca frenética...veio então a persona de Chico Dias, um garoto gaúcho que tinha potencial, é bem verdade, mas muito imaturo, não suportou a carga. Demos sorte e logo a seguir, um dos maiores cantores da cena pesada esteve disponível, e logo veio trabalhar conosco.

O som ficou pesado demais, no entanto, e por conta disso, corremos riscos com tal orientação inteiramente nova para o nosso direcionamento artístico. E de fato, gravamos um novo disco a seguir, e três fatos ocorreram: a onda pesada que insinuava-se "pegar" no Brasil, simplesmente não pegou. Os fãs antigos não absorveram bem o novo som e a animosidade sobrou para Fran Alves, um grande cantor que foi injustamente vilipendiado.

E os adeptos dessas sonoridades pesadas não nos enxergavam como um membro da sua turma. Portanto, não angariamos novos fãs e desagradamos os antigos, a caracterizar um erro duplo de estratégia.

Mais uma rápida e radical mudança foi efetuada, quando saiu Fran Alves e entrou, Beto Cruz. Com ele a fazer parte da nossa banda, a proposta pelo Hard-Rock mais ameno e sobretudo pelo Pop radiofônico passou ditar nosso rumo ao final de 1985.

Tal fase nos levou para outro patamares, é verdade. Um grande contingente de novos fãs se agregou e como resultado, essa fase formou, ao lado da fase do trio versado pelos longos temas instrumentais e com sabor setentista, como as duas mais queridas pelos fãs do trabalho em geral.

A ascensão da nossa banda foi enorme: as chances se multiplicaram, os shows não só lotavam, mas superlotavam na realidade, a proporcionar com que batêssemos recordes em teatros, casas noturnas e festivais de grande porte. O portfólio não parava de crescer e o telefone que já tocava muito bem e de forma espontânea e sempre a nos proporcionar oportunidades, cada vez maiores.

Surge no horizonte um escritório de empresários a insinuar-se de porte e sobretudo a contar com contatos influentes. Estávamos a explodir e o "momentum" só precisou ser agarrado por mãos experientes que fizessem dele, o passaporte para voos maiores.
Mas tais mãos em que depositamos as nossas esperanças, foram inábeis, e o momentum escapou pelos dedos...

Nesse instante, bastaria apenas retomar o fio da meada perdido, e pareceu ser fácil, pois tínhamos muitos fãs espalhados pelo Brasil inteiro, o respeito da mídia, credibilidade musical e artística. Mas outras portas se fecharam à nossa frente, e isso trouxe o desânimo, a desconfiança e o cansaço. Tais fatores nocivos abriram campo para sentimentos pessoais de contrariedades múltiplas e o emocional da banda foi a minar-se.  

O nosso baterista, José Luiz Dinola, não aguentou a pressão desses tempos e anunciou a sua saída da banda. Mais uma duro golpe, aliás, uma amputação ao meu ver, tamanha a sua importância como um pilar.  

O último esforço foi empreendido e um LP gravado e lançado ao final de 1987, mas tudo se acabou em uma noite triste, marcada por desavenças geradas por mal-entendidos, e com o perdão do clichê surrado, o nosso sonho acabou...

O meu, particular, não, pois eu continuei a persegui-lo em outros trabalhos e assim eu pude recuperar a pureza dos meus anseios à época de minha adolescência vivida nos anos setenta, quando eu exerci essa prerrogativa através do Sidharta e da Patrulha do Espaço, muitos anos depois.  

Mas a citar o trabalho d'A Chave do Sol, sim, próximo das festas de natal e reveillon de 1987, esteve tudo acabado. Orgulho-me muito desse trabalho e dessa banda, por tudo que já expus amplamente. Lamento o final abrupto, com enorme prejuízo emocional para todos e máculas para a banda.

E claro que muito emociona-me ter a amizade restabelecida com o Rubens, conforme já contei, e manter bom relacionamento de amizade com Zé Luiz Dinola e Beto Cruz, igualmente.

Percy Weiss (apesar da sua curtíssima passagem pela banda), e Fran Alves, não estão mais entre nós, infelizmente. Verônica Luhr, e Chico Dias, não os vi mais, desde que saíram da banda em suas respectivas épocas.

Este capítulo foi uma análise geral e ultra resumida sobre a carreira da banda. Se você, leitor, só leu este capítulo e se interessar em se aprofundar, fique convidado a voltar ao capítulo número um, e ler todos os anteriores até o número 393, e os posteriores, até o 399. 

A seguir, tecerei as considerações finais e os agradecimentos ao membros, e à todos que gravitaram na nossa órbita.
Continua...

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