terça-feira, 30 de junho de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 376 - Por Luiz Domingues



Bem, apesar de estarmos com o bem pouca energia nessa época, houve a atenção para os dois encontros que poderiam nos oferecer um novo alento, com certos executivos de gravadoras. O primeiro, contato seria a tentativa de Eliana Dinola em abordar o produtor da Warner, Liminha. E a segunda ação, mais plausível, a tratar-se da reunião prometida com o gerente de contratações da BMG-Ariola, contato estabelecido através do divulgador Marco "Bip Bip" Correa, que tornara-se nosso amigo.

Sobre a irmã de Zé Luiz, eu já elenquei anteriormente as suas qualidades pessoais que a credenciaram a tentar uma abordagem. No bojo, acrescento o óbvio, ou seja, a extrema boa vontade dela para nos auxiliar, visto que tinha sua vida para gerenciar, mediante casa e uma filha pequena para cuidar, além das suas atividades profissionais etc.

Ela possuía mesmo uma capacidade de expressão extraordinária, e ao se apresentar como uma produtora musical, passou facilmente pela triagem inicial na organização, e assim marcou uma reunião com o Liminha em pessoa. Não que a subestimássemos, de forma alguma, mas ficamos realmente estupefatos quando ela noticiou-nos que a reunião já estava agendada, para reforçar a nossa completa confiança em seu tino comercial, com a exceção evidente do Zé Luiz, que conhecia muito bem a obstinação e capacidade de sua irmã mais velha.

Enquanto isso, aguardávamos um sinal semelhante que seria da parte do divulgador, "Bip Bip", que também veio logo. Uma reunião estava agendada portanto, com o produtor conhecido por um apelido prosaico a dar conta da proeminência de seu abdomen.

Ele seria o profissional que batia o martelo, pró ou contra, na decisão final de se contratar ou não, para a companhia, como diretor de repertório da gravadora.

Então, nós resolvemos quebrar o protocolo básico, e ao invés de escalarmos a namorada do Zé Luiz, e nossa produtora executiva, Eliane Daic, para falar com o tal sujeito robusto, resolvemos irmos nós mesmos. Sabíamos que era errado e quebrava a regra básica de que o artista em pessoa não deve participar desse tipo de negociação, mas neste caso, tratou-se de uma instrução que veio diretamente do "Bip Bip", que nos alertou que o tal maioral não mantinha cerimônia com protocolos, e gostava de falar direto com o artista, sem ter que lidar com a conversa ensaiada da parte de empresários & produtores, e a exercer a sua conversa padrão de vendedores.

A julgar pelas alcunhas de ambos, e o patamar de inferioridade momentânea que a gravadora ostentava naquele instante oitentista, a amargar uma posição abaixo da concorrência, fez sentido que a praxe institucional fosse abolida e as abordagens ocorressem na base da total informalidade.

No Rio, a irmã do Dinola conseguiu de fato a reunião. No gabinete do Liminha, ela falou, a usar a sua habilidade verbal de vendedora nata, e foi muito bem tratada pelo produtor. Contudo, não conseguiu lograr êxito, pois o discurso dele foi o padrão, ao alegar que a nossa banda não estava coadunada com o que eles acreditavam naquele instante.

Pura verdade, e nós já sabíamos disso, aliás, há anos... portanto, cabe observar que a nossa insistência em abordar a Warner, seguidas vezes, e a usar vários meios para tal, fora em si, uma péssima estratégia. Sob uma metáfora grosseira que estabeleço, pareceu a tática de caçadores de autógrafos a tentar burlar a segurança de hotéis, onde artistas famosos estão hospedados...

Por isso, hoje eu tenho a convicção de que ao termos sido rejeitados pela primeira vez e sabedores na época, que independente da qualidade artística e/ou possibilidade comercial da banda, uma segunda tentativa de abordagem caracterizou um erro estratégico, a nos estigmatizar. O que dizer então da terceira, quarta, quinta tentativa?

Acho que ficamos marcados na gravadora como os cabeludos anacrônicos e desagradáveis a caracterizar uma demonstração de teimosia insuportável. 

Eliana Dinola foi mega gentil para conosco e tenho certeza de que não tentou nos ajudar apenas pelo seu laço sanguíneo com o Zé Luiz, mas por que gostava da banda. Todavia, apesar dessa imensa boa vontade, também não conseguiu um resultado melhor que o de Sonia, a representar o Studio V. Na prática, apesar de seu empenho, nenhuma abordagem daria certo pelo evidente disparidade de mentalidade da parte deles em relação ao nosso trabalho que lhes soava antagônico aos seus princípios.

E nessa altura, o fato de termos tentado várias abordagens, só piorou a situação, acredito, ao pensar hoje em dia. 

Outro fator: mais um fato impossível de ser detectada ali no momento, mas hoje é algo cristalino, é o fato de que o BR-Rock  80's estava encerrado. A grande onda que lhe caracterizou com aura de um movimento, cena, chame como quiser, houvera quebrado na areia da praia. A citar dos artistas expoentes que surgiram nessa "onda", somente quem conseguiu solidificar-se individualmente ainda teve e continuou a ter espaço na mídia e portanto, a contar com um gerenciamento profissional sustentável, doravante. De 1986 para a frente, isso já esteve delimitado claramente, mas lógico que ninguém teve essa visão na época.

Portanto, a chance para artistas que jamais estiveram compactuados com a estética oitentista, se mostraram infinitamente piores ainda, em relação aos que surfaram na crista da onda, e agora viam a onda a arrefecer-se. Duas situações que embaralharam essa visão na época e nos deu esperança, na verdade não foram sinais para absolutamente nada para se animar concretamente. Foram na verdade, falsos sinais que não soubemos interpretar na ocasião.

O primeiro caso foi o do grupo, Ultraje a Rigor que surpreendeu à todos, com uma repaginada radical no seu visual, ao dar a entender que assumiria uma identidade Hard-Rock, para deixar de lado a roupagem supostamente coadunada com a estética Pós-Punk adotada em seus primórdios, e momento de pico na mídia.

Muita gente que estava na trincheira oposta, do Rock pesado, comemorou tal mudança de posicionamento da banda de Roger Moreira & Cia, por acreditar ser uma sinalização de que o mundo mainstream estaria a se abrir para uma outra estética, e a sinalizar a libertação dos tentáculos dos seguidores de Malcolm McLaren. Mas foi um ledo engano, pois a banda mudara apenas o seu visual, ao adotar o figurino de bandas norte-americanas de Hard-Rock em voga, a apresentar cabeleiras imensas e armadas com muito laquê, bem no gosto, ou mau gosto a ser realista, daquela egrégora pesada, porém Pop, dos anos oitenta. O trabalho deles continuou igual em essência, com sonoridade Rock'n' Roll bem básica, e ênfase total nas letras com teor de deboche.

Um outro exemplo de sinalização errada, ocorreu com o próprio "Sepultura". De fato, essa banda mergulhou em uma fase de franca ascensão meteórica e de cunho internacional, muito impressionante, e os devidos ecos do seu sucesso retumbante, lhe proporcionou algumas portas abertas no Brasil, que nem mesmo eles, os seus componentes, esperavam que se abrissem. Acredito que pelo fato de ser uma banda orientado pelo Metal extremo, não teria, em tese, nenhuma possibilidade de atingir um público não coadunado com tal estética, pela total falta de apelo Pop em sua música radical, por mínimo que fosse.

Portanto, ao deparar-se com pessoas completamente de fora do nicho do Heavy-Metal, a comparecer aos seus shows, como atores globais e alguns playboys desavisados, por exemplo, a única explicação razoável para tal fenômeno de aceitação insólita, residira na histórica "macaquice" do brasileiro em valorizar uma manifestação artística que antes desprezava ou ignorava, somente pelo fato de que os "gringos" estavam a ovacioná-la. A trocar em miúdos: por modismo.

Não posso cravar essa hipótese como incontestável, mas creio que é bastante sólida para explicar portanto o fenômeno estranho em ver pessoas completamente alheias ao mundo do Heavy-Metal, quiçá o Metal extremo, ainda mais radical e anti-Pop em sua essência, a frequentar os shows do Sepultura e a serem fotografadas em camarotes caros de casas de shows badaladas do Rio e São Paulo, com copinho de Whisky importado na mão, e a fazer careta com língua de fora e "malocchio" com a outra mão...

Dessa forma, o fenômeno Sepultura não caracterizou na prática, nenhuma tendência de mercado no âmbito das gravadoras que aqui operavam a indústria da música local. Tal banda estava na verdade, a surfar no seu êxito pessoal e no qual deteu todos os méritos, sem dúvida, mas isso não significou dizer que o Rock pesado teria espaço como um todo, a abrir chances reais para outras bandas existentes no mercado.

Feita essa análise, resta-me falar sobre a reunião com o tal produtor fonográfico conhecido por uma alcunha prosaica.

Ao cair da tarde de um dia útil, ao final de abril de 1987, eu, Luiz e Beto Cruz, fomos ao gabinete do produtor citado, com o nosso material em mãos e imbuídos de esperança por um resultado satisfatório. Isso por que o clima de descontração que aquela gravadora mantinha em seus meandros, aliado ao fato de que não parecia estar preocupada em fechar questão com a estética A, B, ou C, foram alentos para nós, sempre inferiorizados por sermos considerados como "outsiders" naquela década.

O apoio do "Bip Bip", que era uma persona muito respeitada na gravadora, e nos vira em ação nos shows de Caraguatatuba-SP, também haveria de somar-se nessa equação.

Enfim, chegamos ao gabinete do rapaz, e apesar de recebidos com educação por ele, a sua apatia denotou a total falta de interesse na conversa. Entregamos-lhe o material de portfólio e a fita K7 com a demo-tape de nossa banda, e ele mal falara conosco até então.

Foi quando, ele deu uma folheada no material e o fechou bruscamente, como se aquilo o estivesse a incomodar, e por conseguinte, a obrigá-lo a perder tempo com algo que absolutamente não lhe interessava. Então, com uma certa truculência a denotar uma mise-en-scène ensaiada, ele ligou o tape deck que tinha próximo de si, e nos disse que estava empolgado com uma banda gaúcha que estava a produzir, e seria o novo "estouro na mídia".

Começamos a ouvir então o som do TNT, que não era uma banda ruim, eu reconheço, e detinha até as suas qualidades, e note-se, sem comungar com o Pós-Punk como seria sempre de se esperar naquela época.

Mas também, não era nada de mais, a tratar-se de uma banda comum, sem nenhum atrativo excepcional e inquestionável que fizesse dela, algo "especial". Durante aqueles minutos em que ficamos em silêncio a ouvirmos o som do TNT, ficara claro o desprezo do tal produtor em sequer mencionar a intenção de ouvir um segundo sequer de nossa música...

Bem, nós ouvimos duas ou três músicas do TNT, e ao desligar o tape deck, ele iniciou um monólogo sobre o quanto acreditava que tal banda faria um sucesso retumbante. Foi então que eu descobri que isso era uma praxe nesse mundo das corporações musicais. O produtor da Warner usara desse expediente dentro da Kombi do Zé Luiz (história contada em detalhes, vários capítulos atrás), quando desconversou sobre o som de nossa demo-tape que tocava no som do carro, e emendou um discurso sobre a maravilha que era o "Camisa de Vênus". 

Agora o tal senhor robusto fizera ainda pior, pois em meio a uma reunião formal para se analisar o material de uma banda, no caso a nossa, a estratégia desdenhosa e vergonhosa que ele adotou sem cerimônia, fora nos fazer ouvir o trabalho de uma outra banda...

Nos anos noventa, eu passaria por algo igual com o Pitbulls on Crack, quando através de uma tentativa de mostrar um novo trabalho ao então incensado produtor, Miranda, este respondeu a apertar o botão "play" da máquina de gravação do estúdio Be Bop, e assim nos obrigou a ouvir o som do grupo: "Mundo Livre S/A", certamente uma maneira sutil de nos dizer que o nosso som era inadequado em sua avaliação, e aquele outro trabalho que nos mostrava, seria a grande "Coca Cola gelada do deserto".

Muitos anos depois, um amigo meu que militou a vida toda no mundo corporativo, mas não ligado às artes, portanto ainda mais monolítico, me disse que a tática padrão para lidar com assuntos indesejáveis era o do desestímulo sutil. Ele houvera sido treinado a nunca abordar o assunto de forma cartesiana com a pessoa, mas a permanecer alheio e emitir sinais sutis contrários, a elogiar opostos, para criar assim o efeito da inibição ao interlocutor. E caso a pessoa insistisse ou pior ainda, perdesse a compostura ao partir para a agressão verbal, a postura seria ficar em silêncio profundo e suportar a verborragia, até a pessoa cansar de falar, para no primeiro momento de pausa possível, dar por encerrada a conversa, e educadamente pedir para a pessoa retirar-se.

É até engraçado, mas ao mesmo tempo denota a frieza corporativa desumana nas relações em geral. Não se tratava, portanto, de um complô montado exclusivamente contra nós, nem mesmo seria o caso de alimentar a teoria da conspiração, pois tal tática de desdém com ares blasé, era/é uma praxe corporativa, tão somente.

Falou, então sr. robusto... pois que fosse feliz a acumular a sua gordura abdominal, até explodir como a "Dona Redonda" do "Saramandaia", talvez a usar TNT para estimular a sua ida aos ares!
 
Uma última tentativa de abordagem às gravadoras ocorreu de nossa parte, em meados de junho, mas isso, eu conto nos próximos capítulos.
Continua...

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