sexta-feira, 29 de maio de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 279 - Por Luiz Domingues


Mesmo envolvidos com diversas frentes de trabalho, simultaneamente, nós não perdemos de forma alguma o foco no show que faríamos no Ginásio do Palmeiras. Pelo contrário, estávamos bastante motivados e a acreditar muito que os sucesso de um show desse porte, abriria muitas portas para nós, e quiçá sedimentaria a parceria com a dupla de empresários, representadas pelos motivados jovens idealistas, Rene e William.

Queríamos mais é que eles prosperassem, e de fato, o seu escritório pudesse crescer ao ponto de investir em nós, ao ponto de gerenciar a nossa carreira. Então, apesar de estarmos envolvidos em tantas frentes, simultaneamente, claro que o foco maior foi esse show do Palmeiras, durante esses dias que o antecederam, no mês de abril de 1986 (estava marcado para o início de maio).

Bem, no "Brain Storm " inicial, muitas coisas mirabolantes foram colocadas para engrandecer essa produção, mas é evidente que não reuniam condições de concretizarem-se. Foi simples a equação: sem dinheiro, sem delírios. Portanto, contar com outdoors de grande porte; chamadas em emissoras de Rádio e principalmente na TV, foi impossível, infelizmente. Dessa forma, dentro de uma realidade plausível, respaldada pelos pequenos patrocinadores arregimentados, ao menos o trivial foi providenciado, com filipetas, cartazetes, e lambe-lambe.

Nos anos oitenta, ainda era possível mandar notas para as redações dos grandes jornais mainstream e obter êxito, mesmo não tendo por trás a estrutura de uma assessoria de imprensa profissional, portanto, muitas notas saíram nos jornais mais importantes de São Paulo, além de publicações de menor porte (jornais de bairro, por exemplo), e na imprensa especializada, e dessa forma, claro que comemoramos bastante esse reforço.

Apesar de estar marcado para um dia que emendava-se à um feriado prolongado, tínhamos a informação que o evento estava bem comentado e que ingressos antecipados estavam a ser vendidos em bom número.

Teve tudo para ser um bom evento, e de fato, o foi! 

Quando chegou a semana do show, estávamos bem ensaiados e motivados para o espetáculo. Paralelamente, havíamos equacionado as outras frentes de trabalho e estávamos tranquilos para o show da semana seguinte em Bragança Paulista/SP, ou seja, a nossa primeira aventura aventada pelo "Núcleo ZT", mas nesse caso, não tratou-se da primeira vez que nos aventurávamos na autoprodução, pois em 1983, já havíamos feito isso (relatado com detalhes, muitos capítulos atrás).

Fomos para o Ginásio do Palmeiras no horário combinado para a realização do soundcheck e lá montamos rapidamente o equipamento de palco. O P.A, contratado era de grande porte, e de uma empresa fidedigna do mercado, portanto ficamos tranquilos por verificar que som e luz seriam de qualidade.

Todavia, o backline no entanto, não foi alugado, e assim, o arranjo foi em ritmo de cooperativa, com as quatro bandas a unir-se e montar o backline comunitário com os melhores amplificadores e bateria possíveis para o usufruto geral.

No caso da bateria, nem foi o caso de ser a melhor, tecnicamente a falar, mas optou-se pela permanência de uma bateria com Kit grande, pois tornara-se uma necessidade das outras bandas irmãs, e o Zé Luiz aceitou usá-la, apesar de tradicionalmente usar um Kit simples, com dois tons e um surdo, apenas, na carcaça básica.
Fora disso (e não foi nada problemático para ninguém), o palco ficou adequado para todos, sem insatisfações da parte de nenhuma banda. E de fato, o clima foi de muita camaradagem entre as bandas, dessa maneira, não haveria de ser de outra forma.

O telão previsto estava providenciado. Na ante-sala do show, seriam exibidos vídeos de bandas internacionais apreciadas pela maioria, e eu comemorei internamente o fato de que haveriam várias setentistas, visto que a tendência seria a de exibir vídeos de bandas modernas de então, e voltadas ao Heavy-Metal. Tudo pareceu estar azeitado, e não posso deixar de mencionar que tive meu Deja Vù pessoal ali dentro daquele grande salão de festas...
O Boca do Céu, a minha primeira banda, em foto de 1977, com a formação que tocou no Festival Fico, no Palmeiras, nesse referido ano. 

Isso por que significara muito para mim em particular, estar a apresentar-me com uma banda autoral naquele espaço, visto que apenas nove anos antes, eu fora um mero sonhador adolescente a apresentar-me ali, em duas eliminatórias do Festival FICO, de 1977, com a minha primeira banda, Boca do Céu (história amplamente contada no capítulo dessa banda). Foram tempos desbravadores e mágicos. Ao mesmo tempo em que engatinhava na música, sob todos os aspectos, foram em realidade, os últimos momentos da vibração advinda pelo movimento hippie, que ainda ecoara por aqui no Brasil, sob a chancela do atraso, diga-se de passagem. Então, embalado pelo sonho "sixtie", anacrônico, lá estava eu naquele salão, em 1977, a ambicionar ser um Rocker, entretanto a lutar contra os meus parcos recursos técnicos de então. Eu fui apenas um sonhador, com muita vontade de mergulhar nesse universo, mas sem nenhuma condição técnica minimamente razoável, e desprovido de talento bruto e nato. Fui pura vontade, somente isso nos anos setenta...
                       Eu, Luiz Domingues, em foto de 1978


Portanto, bateu-me uma emoção interior, enquanto andava naquelas dependências nessa tarde de maio de 1986, pois nesse momento oitentista, agora eu sabia tocar, tinha uma banda que estava a fazer sucesso (claro, dentro dos parâmetros do underground, tinha a plena consciência disso), e estava ali para fazer um show com um público 100% interessado em ouvir-me, e não a participar de um Festival Colegial como um ilustre desconhecido, e pronto a ser hostilizado por cinco mil adolescentes ensandecidos e exclusivamente preocupados em praticar "bullying" coletivo contra qualquer um que subisse naquele palco...

Foi uma vitória e tanto para quem só teve um sonho em mãos, e nesse caso, senti-me muito bem nessa breve e secreta epifania que tive ali, naquela tarde...

Mas nem tudo foram flores... e ainda nas dependências do Palmeiras, fui vítima de um pequeno Bullying...
Continua...

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