domingo, 31 de maio de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 309 - Por Luiz Domingues

Com os três aprovados, lembro-me que mesmo ao se configurar como uma situação irreversível em meu caso, eles ainda falaram bastante que eu havia portado-me como um "turrão", ao extremo, por manter-me firme nos meus princípios, e que dessa forma, seria inevitável amargar a falta do cachê significativo que eles receberiam. ao ir além, na visão deles, mesmo a aparecer como anônimos no comercial, muita gente reconhecer-nos-ia, pois naquela altura, metade de 1986, de tínhamos um público grande, conquistado através de todos os nossos esforços acumulados ao longo de quatro anos de trabalho.

Nesse aspecto, eles tiveram razão, pois realmente a nossa banda houvera alcançado tal visibilidade, até a ultrapassar certos limites do nicho Rocker, por atingir pessoas alheias a esse universo, pois tínhamos aparecido bastante na TV,  e também em revistas, inclusive, fora do mundo especializado da música e do Rock, e assim, após tantos programas de TV sob cunho feminino, éramos conhecidos por donas-de-casa não necessariamente, Rockers.

Nesse caso, mesmo não que eu não tenha ficado arrependido de forma alguma, compreendi a colocação deles como legítima, pois nesses termos, uma exposição, ainda que aleatória, seria mais conveniente com a banda a surgir completa na peça publicitária.

Não caí em um possível sentimento de remorso, no entanto, pois a minha convicção de que esse fator fora algo muito vago, não deixou que a argumentação deles me provocasse nenhum sinal de arrependimento. 

Então, lembro-me que eles foram convocados para posteriores testes de figurinos, e a gravação do comercial consumiu-lhes um dia inteiro de dedicação. Um quarto músico apareceu na peça, e o rapaz foi o Mauro Sanches, baterista da banda centrada no Pós-Punk, chamada: "Nau", que fez relativo sucesso mainstream na metade dos anos oitenta.

De volta ao foco, o comercial foi para promover uma coleção de roupas ditas "jovens", de um magazine famoso, ao estilo das Lojas de Departamentos. Tratara-se da "Mesbla", uma rede que estava espalhada nas principais capitais do Brasil. O comercial foi concebido de uma forma bem simples, com imagens intercaladas de jovens a dançar em meio à banda fictícia. Tais jovens, rapazes e moças, eram logicamente modelos de agências contratados. E uma das garotas fez o papel de crooner da banda, aliás uma bela morena.

Um fato curioso, na hora de filmar-se as tomadas, cismaram em não usar uma bateria tradicional na horrenda dublagem, e o Zé Luiz foi esperto e antes que lhe sugerissem o lastimável uso de caixa e prato (como a seguir o padrão dos programas de TV), ele pediu-me o meu baixo, e no dia da gravação, ele apareceu tocá-lo na propaganda.  

Essa peça teve apoio gráfico significativo, e garotas a usar as tais roupas semelhantes às do comercial, apareceram em muitas revistas, jornais e outdoors de São Paulo e Rio, e creio que em outras capitais e grandes cidades interioranas. A trilha sonora do comercial foi um som Pop bastante insosso, ao estilo do que ouvia em estações FM, bem pobre e com os típicos timbres medíocres oitentistas. A produção musical de tal jingle foi do guitarrista da "Blitz", Ricardo Barreto, e também de Bernardo Vilhena (parceiro do Lobão, e de outros artistas da época), o que explica de certa forma a concepção desse pastiche oitentista. 

Aquele reverber indecente na bateria, guitarra gravada em amplificador Roland Jazz Chorus, teclados horrendos, e demais porcarias inerentes à mentalidade da época, para seguir a cartilha Pop, baseada na estética do Pós-Punk, típica daquela década.

Foi engraçado ver a propaganda a ser exibida na TV, com os companheiros naquela micagem tão falsa...

Ele foi veiculado com bastante repetição nos primeiros quinze dias e depois pôs-se a diminuir a sua frequência, paulatinamente, até desaparecer por completo. Passou em horário nobre, pois era conta peso-pesado de um cliente forte, e de fato, muita gente reconheceu os três e o Sanches, mas a despeito de qualquer argumentação em contrário, nada acrescentou para a carreira d'A Chave do Sol, tampouco do Nau.

No frigir dos ovos, acho que a vantagem alardeada pelos meus companheiros, ficou só pelo cachê mesmo (de quem participou, logicamente), e sem ressentimentos, apesar de ter sido uma boa quantia, até hoje não me arrependo de minha atitude de recusa em participar.

Eis o link para ver tal comercial no You Tube.

https://www.youtube.com/watch?v=Umh7l_AeHoE&feature=youtu.be 

Foi filmado no teatro do Sesc Pompeia, de São Paulo, e dá para ver bem o Zé Luiz, bem no início, com o meu baixo em suas mãos.

Quando a atriz principal (que de fato era uma cantora também, e chamada: Karla Sabah), começa a "rasgar" as embalagens de papel que envolvem as pessoas, o Rubens passa a correr por ela, com a sua guitarra Jackson, em mãos. Beto, e Rubens podem ser vistos novamente, quando entram em um ônibus, com os demais modelos.

A Karla Sabah fez o tipo: "Punk de Boutique", com visual inspirado em cantoras espalhafatosas da cena Pós-Punk oitentista, tais como Cindy Lauper, e principalmente Nina Hagen. Claro que existia a referência à personagem de Daryl Hannah, em sua personagem do filme: "Blade Runner", também... ah... os replicantes tão cultuados naquela década...

As suas caras & bocas em alguns momentos são constrangedoras, mas talvez tenha sido a ideia "brilhante" do diretor e não culpa dela, no afã de imprimir "irreverência jovem". E a marca da coleção dita "jovem" que a Mesbla estava a lançar, chamava-se: "Alternativa".

A seguir, falo de algumas visitas muito inesperadas em nossa sala de ensaio, em 1986.

Continua...

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