domingo, 31 de maio de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 303 - Por Luiz Domingues



Em praticamente todos os capítulos que venho a escrever sobre as bandas em que toquei/toco, eis que eu já expressei a minha opinião sobre a dita "Revolução Punk" de 1977, e sei que a minha visão sobre esse momento da história (e sobretudo a respeito das suas consequências para a música e o Rock em específico), é bastante polêmica, pois vai na contramão total da maioria das pessoas, que acham que tal movimento foi benéfico, e eu penso exatamente o contrário. Mas claro que minha contrariedade com o Punk Rock sempre foi institucional, jamais pessoal, sob uma primeiríssima avaliação. 

Em segundo lugar, a verdadeira cisma que eu nutro, nem é contra o movimento em si, mas muito mais com os ditos "formadores de opinião", que criaram um paradigma maldito ao meu ver, e em seu bojo, adveio uma carga de malefícios ao Rock, com desdobramentos múltiplos e praticamente irreversíveis, infelizmente.
Então, para deixar claro, e acho que já expliquei isso em outros capítulos, mas vou reforçar aqui, digo que:

1) A "filosofia" expressa pelo lema: "Faça Você Mesmo" ("Do It Yourself"), alardeada como revolucionária em 1977, não é abominável em si, mas abriu sérios precedentes, para causar estragos que eu considero imperdoáveis para a história do Rock.

2) No bojo da dita "Revolução", os seus marqueteiros criaram elementos detestáveis para realçar o seu "conceito/paradigma", e um dos mais terríveis foi a exaltação da ruindade musical como um recurso padrão de seu movimento. A ideia de não precisar ser um "virtuose de conservatório" para tocar em uma banda de Rock (da qual até concordo em certos termos), era válida, mas daí a forjar o extremo oposto como algo padrão, foi um desserviço que causou estragos a curto, médio e longo prazo. Toda uma geração cresceu com a ideia de "quanto pior, melhor" e isso foi inadmissível.

O direito a fazer um som simples, é legítimo. Se o artista quisesse ser simples, fazer Rocks com três acordes, não haveria problema algum, mas daí a propagar a ideia de tocar desafinado de propósito, tocar o mais toscamente possível, fora uma pura ação de marketing, mas que infelizmente os "formadores de opinião" elevaram à décima potência de importância, quando na verdade teria sido a intenção de prover apenas uma "malcriação de meninos contra as suas vovós na hora do almoço", e jamais deveria ter passado disso.

3) Outro paradigma maldito, forjado nessa história, foi o do repúdio ao passado, como palavra de ordem. Distorceram o conceito de niilismo de tal forma, que pareceu ser uma cruzada anti-Rock, com aquelas hordas de abduzidos a massacrar o Rock clássico, e em específico o Rock Progressivo. Toda sorte de ataques foram perpetrados e os ditos "exageros" do Rock Progressivo tornaram-se o alvo a ser massacrado em praça pública.

Esse ódio ao passado que eles fomentaram, criou um paradigma odioso, pois isso norteou todo o desenvolvimento da estética dos anos 1980, com a fuga absoluta das raízes e a obsessão pelo "novo", que nunca revelou-se minimamente interessante, mas apenas a constituir-se do "novo". Tal predisposição dos formadores de opinião em "hypar" tudo o que era novo, só por que era novo, criou aberrações.

Se tudo o que era novidade e fugia da estética 1950/1960/1970 passara a ser considerado "bom" por essa gente, e consequentemente aceito pela massa não pensante, criou-se um terrível paradigma de que a ruindade musical era positiva, e isso explica a fragilidade absoluta da maioria esmagadora dos artistas do Pós-Punk, e os seus derivados durante a década de 1980. Parece um exagero, no entanto, foi um crime lesa-Rock e causa-me espanto que em pleno 2014 (a escrever este trecho em maio de 2014), poucas pessoas ainda, tenham tomado consciência do precedente terrível que essa alienante mentalidade destruidora causou.

4) Uma desculpa na ponta da língua que esses mentirosos criaram, foi a de que o objetivo dos punks de 1977, foi o de romper como Rock "asséptico", dominado por artistas com mentalidade de músicos eruditos, e assim, a sua intenção seria "devolver" o Rock à sua raiz rebelde dos anos cinquenta, quando de seu surgimento. Pura balela! Basta olhar a história do Rock e verificar que existia uma dose forte de rebeldia nos primórdios, mas jamais sob a égide da avacalhação como os punks instituíram em 1977. Ninguém desejou tocar mal de propósito, manter atitudes antissociais para chocar na mídia como algo proposital para angariar atenção, ou repudiar a música que os precedeu...

Pelo contrário, ao seguir a normalidade, todos exaltavam os seus influenciadores, fossem nomes da velha guarda do Blues, ou da Country Music, Folk etc. O tocar simples, para alguns de seus maiores expoentes, foi algo normal. Simples sim, mas esculhambado, não...

5) A reforçar, a minha antipatia sempre foi institucional, contra o conceito e as suas consequências, jamais contra pessoas. Mais que o estilo musical, mas contra o seu caráter revolucionário enquanto manifesto artístico e tomada de posição estética, a bronca mesmo sempre foi contra os marqueteiros, esses artífices inescrupulosos, que no afã de ganhar dinheiro, lançam boatos, criam modas e paradigmas sem mensurar os efeitos colaterais, e mesmo que tenham consciência do malefício que causam, dão de ombros e soltam a sua bomba atômica sem dó, pouco a importarem-se com os estragos inevitáveis que causarão. Para tais energúmenos, deixo o meu repúdio.

6) Não sou contra as estéticas do Punk Rock, do Pós-Punk, ou qualquer de seus derivados. E muito menos contra quem aprecia tais estéticas e ainda menos para quem as professa. Aceito como legítimo que se aprecie ou que se deseje fazer música de qualquer estilo, pois a democracia pressupõe a liberdade artística total.

Se o cidadão gosta e quer ouvir música tosca, tal resolução de sua parte, não me incomoda em absolutamente nada. Eu acho que todos tem o direito inalienável de se expressar artística e culturalmente a falar, da maneira que lhes aprouver. E nessa prerrogativa, rejeito totalmente a antítese criada pelos "formadores de opinião", de que o contrário de seus propósitos não possa acontecer livremente, na mesma medida. Reservo-me o direito de continuar a apreciar, fazer e incentivar os jovens artistas a criar música de qualidade, bem composta, arranjada e executada. Rejeito o paradigma punk de tosquice como instituição paradigmática. Rejeito o baixo astral, rejeito o "quanto pior, melhor".

Feitas essas explicações, vou contar a relação boa de amizade que A Chave do Sol teve com "Os Inocentes", um dos expoentes do Punk Rock no Brasil e com esse relato, creio que deixarei esclarecido de uma vez por todas, a minha opinião sobre o assunto, e sobretudo, o quanto a minha posição é coerente enquanto pensamento filosófico, e nada tem a ver com pessoas.

Continua...

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