domingo, 4 de janeiro de 2015

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 227 - Por Luiz Domingues

 

Já a saber que a reformulação do nosso trabalho seria total, partimos então para os últimos shows com o Fran Alves, como membro da banda. 

Os dois primeiros, foram realizados no Rainbow Bar, que à boca pequena era apelidado carinhosamente pelos Rockers locais como o "Marquee" paulistano, para estabelecer a referência (e reverência, como não...), ao famoso Pub londrino, que desde os anos 1960 promovia shows de Rock com bandas emergentes, e entre tantas, algumas que tornaram-se mundialmente famosas, posteriormente.  Os shows foram energéticos, e o público não notou que estávamos abatidos internamente, com o prenúncio do que ocorrer-nos-ia a seguir.

O Fran Alves, logicamente deu o seu melhor ao vivo, mesmo triste com sua decisão em sair da banda, pois não deixou que tal melancolia transparecesse ao público. Fizemos o show habitual que estava ensaiado, calcado no EP recém lançado. Os shows ocorreram nos dias 25 e 26 de outubro de 1985. 

No dia 25, uma sexta-feira, cerca de setenta pessoas assistiu-nos, e no dia seguinte, sábado, dia 26, duzentas pessoas lotaram as dependências da casa localizada no bairro do Jabaquara, zona sul de São Paulo, a dois quarteirões da estação do metrô, homônima. No show do sábado, o Fran Alves terminou o show desgastado.

Na minha ótica atual, amparado pelo distanciamento histórico, é óbvio que ele somatizara a sua tristeza emocional decorrente de toda a amargura que acumulara ao longo dos dez meses em que foi membro da banda, graças aos comentários negativos que a sua presença na formação despertara, por parte das pessoas em geral. Mesmo ao manter uma postura observada em um grau de dignidade exemplar, foi natural que estivesse arrebentado emocionalmente. E como somatização inevitável, a sua voz, ao término do segundo show, esteve muito prejudicada. Ele pediu-nos desculpas, ali mesmo no Rainbow Bar, mas comunicou-nos que dificilmente reuniria condições para cumprir o show do dia seguinte, ao ar livre, em uma praça pública. 

De fato, ele não recuperaria-se a tempo, pois encerramos o show do sábado, na madrugada do domingo, e o compromisso na praça pública, seria no início daquela mesma tarde. Agradecemos a boa vontade dele, e o dispensamos desse sacrifício, dispondo-nos a cumprir o show sob o formato de trio, e assim evocar o repertório antigo, e de qualquer forma, seria um show de choque, portanto, não haveria nenhum problema para o trio original fazê-lo, sem a presença do Fran Alves.

O Rainbow Bar teve uma longevidade grande como casa noturna. Eu não saberia dizer quando foi fundado oficialmente, mas acredito que estava com as suas portas abertas desde o início dos anos oitenta, provavelmente, 1981. Tal estabelecimento conteve vários proprietários nessa trajetória e nessa época, um dos sócios era o vocalista / guitarrista, Roberto Cruz, além de seu irmão, o baixista, Claudio Cruz (não lembro-me com precisão, mas acho que o Marcos Cruz, um outro irmão deles, foi sócio, também). O Rubens teve uma ideia, mas a iniciativa dessa projeção que realizou, partiu dele, exclusivamente, sem comunicar-nos previamente. Quando soubemos da ideia, na verdade ele já antecipara-se e estava a negociá-la. 


Não estou a queixar-me, de forma alguma, pois nesse caso, essa antecipação de sua parte foi providencial. De fato, pela dramaticidade da nossa situação naquele momento, com a saída do Fran Alves, a contrastar com a existência de diversos compromissos firmados; incluso um disco novo, recém lançado para ser divulgado e a mídia especializada a falar sobre nós, o tempo urgia ! Então, alguns dias depois desses últimos shows do Fran Alves conosco, o contato e o decorrente convite, já havia sido feito, por parte dele, Rubens, para que um novo vocalista assumisse a vaga disponível n'A Chave do Sol, e o nome em questão foi : Roberto Cruz, nome artístico, Beto Cruz, e logo, entre nós, tratado como, "Betão"... 
Roberto Cruz. Nome artístico, Beto Cruz, e para os amigos, Betão...

Para encerrar esta etapa do relato, antes de avançar enfim nessa nova perspectiva que avistou-se, falo sobre o show ocorrido em tal  praça pública. Foi uma inauguração promovida pele prefeitura de São Paulo.

Um pequeno terreno pertencente à prefeitura, em plena Avenida Sumaré, na zona oeste de São Paulo, acabara de ser remodelado, e seria entregue à população. Alguns meses antes desse evento, uma senhora fora atropelada e perdera a sua vida, exatamente naquele trecho da avenida. Talvez passasse despercebida a tragédia, se fosse uma pessoa comum, como tantas que morrem nessas tristes circunstâncias e tornam-se apenas um número nas estatísticas. Mas essa senhora, chamada Ana Maria Poppovic, foi uma psicóloga e educadora proeminente com fama catedrática e atuação destacada com crianças excepcionais e sua morte trágica repercutira na mídia. E claro, com essa conexão, sua morte causou comoção, e rendeu muitas reportagens nos jornais, rádio e TV, nessa época. Então, quando a prefeitura deu uma arrumada naquele terreno abandonado, ao promover uma remodelagem para um micro parque, a conter paisagismo; equipamento com brinquedos para a criançada; alguns aparelhos de ginástica; bancos, e pista de cooper, tratou logo de homenagear a senhora acidentada. A Praça Ana Maria Poppovic foi inaugurada com um show d'A Chave do Sol. Infelizmente, apesar da inauguração ter contado com uma cerimônia oficial, e a presença de familiares da senhora falecida, mais autoridades e políticos, a presença do público foi diminuta a meu ver, ao considerar-se o barulho midiático que tal evento pudesse suscitar. Enfim, nas minhas anotações, apenas setenta pessoas estiveram presentes. Uma vantagem nós tínhamos em relação a qualquer outra banda que tinha um vocalista frontman, e não instrumentista na sua formação : sempre que surgia uma emergência, fazer o show no velho formato de trio não causava-nos embaraços.

Dessa forma, tocamos, sem o Fran, mas sem problemas maiores, no campo estrutural, porque no emocional, estávamos chateados.
E assim foi, no domingo, dia 27 de outubro de 1985, ao inaugurarmos a Praça Ana Maria Poppovic, que aliás, está super mal cuidada nos dias atuais (2016), praticamente a retroceder à condição de um terreno baldio, sujo, com equipamentos quebrados, e frequentada por gente mal intencionada, e à cata de refúgio para atividades ilícitas. Da segunda-feira em diante, a vida seria muito corrida para a banda, não só pela perda do Fran Alves, mas por outras oportunidades que estavam a aparecer...

Continua...

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