quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 183 - Por Luiz Domingues


Mesmo em cima da hora, os shows aconteceram com um nível de produção bem satisfatória, bom apoio da mídia escrita, e a presença significativa de público. Nós tocamos duas vezes, pois houve um cancelamento de última hora de uma das bandas (Antro), e o Mário Ronco pediu que ocupássemos essa lacuna extra. 

Não foi nenhuma armação de nossa parte para tirar proveito, e assim tocarmos mais uma noite que o combinado. Jamais faríamos uma armação política e antiética desse nível, dentro da cooperativa, mas infelizmente, o fato d'A Chave do Sol ter obtido essa suposta vantagem, tal acontecimento suscitou comentários de desagravo por parte de alguns membros de outras bandas, associadas da recém criada organização, ao gerar-se uma sensação a envolver ciúmes e revolta. Atesto, que de fato, foi o Mário Ronco, quem solicitou-nos tal ação, e claro que aceitamos e assumimos o fato de que estávamos a obter uma vantagem diante disso, mas isentos de qualquer culpa por premeditação. 

O evento ocorreu entre os dias, 7 e 10 de março de 1985. Nós tocamos nos dias 7 e 8 de março de 1985. No dia 7, uma quinta-feira, dividimos a noite com o Gozo Metal, do baixista, Orlando Lui (ex-Rock da Mortalha). 

Por sorteio, ficou acertado que o primeiro show da noite, seria do Gozo Metal, e nós faríamos o segundo.  Com uma estrutura de cenografia boa, demo-nos ao luxo em começar o nosso show com as cortinas fechadas, a causar um frisson na plateia, com tal tipo de recurso cênico. 

Com o abrir suave das cortinas, a banda já estava  a mil por hora, com o Fran Alves a empreender uma grande atuação cênica, inclusive. No entanto, como fora uma quinta-feira, o público não lotou as dependências do ótimo teatro Arthur Azevedo. Todavia, por considerar-se ser um dia útil, e o fato em termos tido pouco tempo de divulgação, acredito que as cento e vinte pessoas presentes, pode ser considerado um bom público. E de fato, a minha lembrança foi em termos ficado satisfeitos com esse número, na época.

No dia seguinte, cumprimos então a data que era de outra banda. E por ser sexta-feira, claro que o público foi muito melhor. Trezentas pessoas ocuparam o teatro, e a vibração esteve bem quente nesse dia. O Mário Ronco dispensou o uso de sorteio nesse dia, por considerar que tocáramos na noite anterior como "headliner". Portanto, o "Centúrias", do amigo, Paulo Thomaz, ocupou tal posição, e nós tocamos na preliminar, o dito "open act". 

Lembro-me que tocamos todas as músicas novas, e que fariam parte do próximo disco que lançaríamos, e cujas gravações começariam ainda naquele mês de março de 1985. Foi ótimo tocar ao vivo esse material, para sentir a temperatura do público. E mesmo ao chocar alguns, que ainda não tinham computado a ideia de que as novas canções continham um peso extra, além do normal para o padrão do Hard-Rock. Todavia, ficamos muito contentes por constatar que a música : "Um Minuto Além", a nossa aposta em uma balada pesada, e com "clima de Rock in Rio", agradara em cheio o público. De fato, a interpretação do Fran foi para arrepiar... 

Aquele vozeirão não mostrou-se apenas potente e exoticamente rouco, mas a interpretação dramática que ele impusera, a um solo épico que o Rubens criou, tornou-a um clássico imediato da nossa banda. Uma curiosidade quase prosaica e inventada pelo Mário Ronco : em cada show, ele solicitou a presença de dois músicos de bandas da cooperativa, que não tocariam naquela noite, para atuar como apresentadores do evento. Portanto, tocamos na quinta e na sexta, e sendo assim, eu fui escalado para apresentar os shows do domingo, junto com o baixista do Eclipse. Nesse último dia do festival, tocaram as bandas : "Harppia" e "Salário Mínimo", e eu senti-me um apresentador do Oscar, a enfrentar o público, e a ter que falar algo minimamente inteligente, sem recorrer em pieguices, para não fazer um papel feio no palco. Nesse domingo, um personagem muito gentil, e que estava a usufruir a fama mainstream, ao estourar com uma banda bem calcada na onda do Pós-Punk, apareceu para assistir o show, e foi mega simpático com todos. Tratou-se do baterista dos Titãs, Charles Gavin, que mostrou-se muito solícito e apesar de ser um métier avesso ao que ele transitava, mostrava-se bastante interessado em conhecer o som das bandas, e dentro das possibilidades, ajudá-las ao máximo. 

Esse foi o meu primeiro contato com ele, mas em um futuro não muito distante, Gavin seria um amigo muito próximo d'A Chave do Sol, e a revelar-se uma pessoa muito bem intencionada, que tentou levar-nos para o patamar de cima, no mainstream. Eu revelo tal fato no momento oportuno da cronologia dos fatos. 

Para encerrar esta etapa, claro que comemoramos o sucesso súbito dessa empreitada da cooperativa, no Teatro Arthur Azevedo !
Tirante aquela ciumeira descabida pelo fato d'A Chave do Sol ter sido escalada para tocar uma vez a mais, ao substituir a banda "Antro", que teve de cancelar a apresentação por motivos pessoais de seus membros, todo mundo ajudou, imbuído em um espírito de mutirão, e o público foi ótimo. Estávamos animados com essa empreitada do Mário Ronco, que demonstrou poder de fogo, instantaneamente. Ainda a falar da reação em torno dos ciúmes, não posso deixar em revelar um outro fato engraçado ocorrido no soundcheck, no dia em que substituímos o Antro. O pessoal da banda que sentiu-se ofendido, pela escolha do Mário Ronco em nosso favor, apareceu em peso e os seus componentes perfilaram-se sentados nas primeiras poltronas, com o teatro vazio, e assim assistiram toda a passagem de som, em silêncio, mas a encarar-nos de uma forma muito inamistosa, como se fosse óbvia a nossa "culpa". Ninguém pronunciou uma palavra sequer, entretanto, tal atitude falou por si só. Claro, o tempo passou e essa bronca dissipou-se, mesmo porque, não houve razão plausível para ter existido. Eu tenho uma relação de respeito e amizade com o líder dessa banda, até hoje, que inclusive, considero um rapaz com excelente índole. Independente desse momento de animação com a cooperativa, e as ações de Mário Ronco, tivemos outros convites a aparecer nessa época. 

Na semana posterior, por exemplo, tínhamos marcado dois shows no Teatro Lira Paulistana, em um outro micro-festival organizado pelo produtor, Antonio Celso Barbieri. Todavia, antes de falar desse pormenor, no próximo capítulo eu desejo registrar um fato ocorrido alguns dias depois dos shows ocorridos no Teatro Arthur Azevedo, que na época, chateou-me, mas ao analisar algum tempo depois, tornou-se digno em constar no anedotário da banda, e quiçá da minha carreira inteira. Falo a seguir sobre tal fato...



Continua...
  

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