quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 170 - Por Luiz Domingues



Farei um parêntese agora, antes de mergulhar na narrativa sobre 1985, para relembrar alguns casos pitorescos a envolver a banda, mas não necessariamente ligados com aspectos da sua carreira, tampouco eventos musicais onde participou. São fatos curiosos que ocorreram em situações cômicas, com membros da banda acompanhados de amigos e pelo fato de não ser situações oficiais da carreira, e nem mesmo a conter conexão com música, necessariamente, aconteceram de forma esparsa ao longo desse ano, portanto, sem data definida, resolvi agrupá-los sob um parêntese final para abordar o ano de 1984.

1) Para quem conhece São Paulo, sabe bem que o cruzamento da Avenida Paulista com a Alameda Joaquim Eugênio de Lima, tem em sua esquina, sentido Ibirapuera, uma série de bares, colados uns aos outros e que todos disponibilizam mesas nas calçadas, ao gerar um clima de boulevard àquele quarteirão e que estes vivem lotados de clientes, dia e noite. Informalmente os paulistanos chamam aquele conglomerado de bares, como : "prainha", uma espécie de auto-piada, para ironizar que "praia de paulistano" é assim, no meio do asfalto. Muitas vezes, entre 1982 e 1983, os ensaios d'A Chave do Sol terminavam ali, com os amigos reunidos em intermináveis rodas de conversa e bebedeiras. Gostava de estar com eles, conversar, mas pelo fato de eu não beber, rapidamente enjoava do ambiente e queria ir embora, mas para quem bebe, tais reuniões não acabavam nunca. Em determinada ocasião, ocorrida em 1984, notamos que um ator famoso da TV; Teatro e Cinema, estava a circular entre as mesas, mas não conversava com ninguém. Aparentemente estava sozinho e adotava um comportamento estranho, ao parar perto das mesas e encarar as pessoas, sem falar nada, ou a esconder-se atrás de placas de trânsito e pilastras de prédios das redondezas, ao olhar para o nada, com expressão facial um tanto quanto desconexa. Mais engraçado ainda, foi o fato de que a maioria das pessoas ali naquele entorno, não ter notado tal comportamento bizarro da parte dele, e nem esboçar reconhecê-lo, mesmo sendo ele, um ator com carreira sólida na TV, mediante a realização de muitas novelas no seu currículo. Aquele comportamento suscitou várias conjecturas da parte de quem estava em nossa mesa, e as hipóteses mais ventiladas foram : 

A) Estava muito alterado por conta de alguma droga alucinógena, ou;

B) Estava a cumprir um "laboratório" como ator, ao forjar uma imagem de desequilíbrio na rua, para testar as reações das pessoas comuns.

Foi quando o poeta, Julio Revoredo quis tirar a história a limpo.
Uma característica do poeta, que pouca gente conhece, é que ele é um expert em Cinema; TV, e Rádio. Sua memória enciclopédica sobre tais temas (além de Teatro; Artes Plásticas; Música e Literatura, matérias das quais também conhece muito), impressiona.  Nesses termos, ele ficou muito interessado em abordar o referido ator, e descobrir o que significava aquele comportamento. Então, mediante um caderno universitário que tinha em mãos, levantou-se e foi abordá-lo, ao solicitar-lhe um autógrafo. Quando aproximou-se do ator, ele nem olhou-lhe no rosto, mas disse com truculência : -"Não" ! Chocado com a grosseria, voltou para a nossa mesa, e disse-nos que para ele, a impressão que tivera, foi que o ator estava bêbado, e fora grosso deliberadamente, por conta de sua má educação. Nessa hora, um amigo nosso que adorava aprontar traquinagens juvenis, chamado Celso "Esponja" Bressan, propôs uma brincadeira para azucrinar a vida do ator.
Visto que o ator em questão, usava um chapéu, estilo "tweed" , bastante demodée para os anos oitenta, eis que ele, Celso, arquitetou um plano para surpreendê-lo, e afanar-lhe a peça, para depois devolvê-la, mas não sem antes provocá-lo de alguma forma.  A ideia causou euforia generalizada na mesa e de fato, com a minha exceção que não bebo em hipótese alguma, e do Julio Revoredo que é bastante comedido, foi aprovada sob aclamação. Então os rapazes resolveram pedir a conta, pagaram, e o Celso posicionou-se para roubar-lhe o chapéu e dar a volta no quarteirão. Os demais já estariam posicionados no carros disponíveis e assim que resgatassem-no, daríamos uma volta no quarteirão e devolveríamos o chapéu, não sem antes cometer-se alguma provocação extra ao ator.  E assim ocorreu. Sorrateiramente ficamos a observar a ação já perto dos carros, quando o Celso passou a correr e arrancou o chapéu do ator. A reação dele foi absolutamente teatral e hilária, pois em câmera lenta, como se estivesse a interpretar, gritou : "Fiiiilllhhhooo  ddaa  ppppuuutttaaa" !!!

Não poderia ter sido mais esquisita tal reação, e isso deixou-nos ainda mais em dúvida se ele interpretava, ou estava apenas bêbado / drogado. Ao dar a volta no quarteirão, o próprio Rubens tratou em colocá-lo na cabeça e quando voltamos à "prainha" da Alameda Joaquim Eugênio de Lima, ele buzinou, jogou-o em direção ao ator e gritou : "Canastra" ! Ou seja, uma ofensa à dignidade artística do ator. Na hora, demoramos bastante  para estancar a epidemia de gargalhadas, mas ao lembrar desse ocorrido hoje em dia, com a idade que tenho agora, já não acho graça alguma. Semanas depois, a mesma turma estava reunida na Rua 13 de maio, no bairro do Bexiga, e naquela época, como já salientei inúmeras vezes nesta autobiografia, tal rua fervilhava de gente, ao ponto de ser quase impossível o tráfego de automóveis durante a noite / madrugada.


Estávamos na calçada a conversar, quando ouvimos alguém a buzinar com muita truculência. Foi um motorista a conduzir um Ford Galaxie dos anos setenta, enorme e opulento, com tal motorista a mostrar-se profundamente contrariado com o fato de que a multidão ocupava a via, e não deixava os carros prosseguir.
Foi quando finalmente ele conseguiu passar, não sem antes xingar, e ser bastante xingado, sob um pequeno escândalo que obviamente  chamou-nos a atenção. E por ocuparmo-nos com isso, vimos que o motorista em questão, foi o mesmo ator com quem brincáramos, semanas antes, na história do chapéu de tweed. Desta feita a mostrar-se muito nervoso e a parecer estar a buscar alguma confusão para extravasar, não foi um dia bom para mexermos com ele novamente, mas o destino tratou de colocá-lo perto de nós, a seguir. Ele subiu a rua com seu enorme Galaxie azul, e nós esquecemos imediatamente de sua presença. Foi quando subitamente, eis que surge na calçada, a pé e bem perto de nós, o dito cujo. Seu semblante nesse dia fora em ritmo de tensão. Parecia contrariado e nervoso, prestes a explodir, e foi nítida a sua predisposição para arrumar uma confusão, vide a agressividade que tivera para com os pedestres, minutos antes. Então, ninguém ali estava disposto a mexer com ele, mas como a calçada estava lotada, o nosso amigo, Claudio "Capetóide" de Carvalho, acidentalmente  pisou-lhe o pé...

O berro escandaloso que o ator deu, seguido de pulinhos a la Saci Pererê, foi hilário... não vou revelar o nome do ator... sei que o leitor vai frustrar-se e contra-argumentar que não tem nada demais, e que na realidade as revistas e sites de fofocas divulgam coisas muito piores, mas se tem uma coisa que eu detesto é criar polêmica e expor pessoas. Contei os casos porque foram pitorescos com tal personalidade, mas não quero ser acusado em usar a sua fama para autopromover-me, portanto, não direi quem é.

Contudo, trata-se de alguém que fez muitas novelas na antiga TV Tupi, e também nas TV's Globo e Record, e tem muitas peças no Teatro e filmes no Cinema nacional, em seu currículo.

2) Como mencionei a famosa "prainha" da Alameda Joaquim Eugênio de Lima, outra ocorrência merece nota. Com a turma reunida outra vez, em outra ocasião, um mendigo muito embriagado estava a rondar as mesas, a pedir esmolas.

Extremamente desagradável, o homem não entendia a recusa das pessoas em não dar-lhe dinheiro ou mais bebida, conforme pedia, visto já estar muito bêbado. Quando abordou-nos, todos recusaram ajudar-lhe, como nas outras mesas ocupadas por estranhos, mas por sermos um bando de cabeludos, talvez, o sujeito encarnou em não desistir facilmente de seu intento, e começou a abusar, ao insistir de uma forma enfática e irritante em esmolar, e a seguir ao adotar certas liberdades, como tocar no ombro das pessoas, e ameaçar roubar uma garrafa de cerveja da nossa mesa. Após várias advertências para afastar-se, e concomitantes pedidos ao garçom para o bar tomar uma providência nesse sentido, na medida em que éramos clientes a sermos incomodados por um inconveniente estranho, o rapaz abusou ainda mais, ao dar um empurrão em um de nossos amigos, o Claudio "Capetóide" de Carvalho. Este reagiu, não com truculência, mas apenas a desvencilhar-se do sujeito e deu um grito, ao falar algo como : "Sai daqui, já falei" ! Muito embriagado, o mendigo desabou, mas não foi uma agressão propriamente dita, e relato isso isento do sentimento de amizade que havia ali naquela mesa, para distorcer os fatos a fim de proteger o amigo, Claudio, e sobretudo ao isentar-me de culpa moral, por extensão.

Mas, tal reação do nosso amigo causou revolta em uma mesa de outras pessoas, estranhas para nós. Como eu não bebo, jamais poderia passar pela minha imaginação, que houvesse um "código ético" e velado, absolutamente normatizado por regras forjadas livremente pelas ruas e não por um corpo jurídico oficial, digamos assim. Pois então... os rapazes em questão ficaram revoltados com o fato do mendigo ter sido "agredido" e como agravante, por supostamente haver o fato de estar embriagado e portanto, sem condições para defender-se adequadamente. Tal raciocínio, em minha opinião tacanho, surpreendeu-me, pois ninguém ali estava disposto a agredir o rapaz embriagado, mas na mesma medida, ao analisar os fatos, se estou sóbrio, por quê devo aguentar a inconveniente e insistente abordagem de alguém que está alterado, e portanto sem nenhum freio de ordem moral; social; cultural ou educacional que impeça-lhe em incomodar-me ? Porém, nos parâmetros da "ética" apócrifa dessa gente, o bêbado era / é intocável. Ele podia beber; adulterar o seu comportamento; abordar pessoas a esmo e incomodar-lhes a vontade, por que estava "bêbado", e o sóbrio tinha que "entender" isso. Era / é uma lógica bizarra, e que não faz nenhum sentido entre gente civilizada, contudo...

Bem, eu como era bem ingênuo nesse tipo de questão, fiquei surpreendido quando percebi que o clima estava tenso. Apressados em pedir a conta, vi que havia uma movimentação e alguns rapazes da tal mesa que revoltara-se para conosco, haviam ido buscar artefatos de luta, no carro de um deles. Nessa altura, já estavam com barras de ferro; tacos de beisebol; correntes; soco inglês; e o pior de tudo, um revólver, ostensivamente colocado sobre a sua mesa, a caracterizar a sua real intenção.

Sem nenhum aparato do mesmo porte, e na iminência de uma tragédia poder acontecer, saímos rapidamente sob uma retirada estratégica, e que pelas circunstâncias adversas, nem considero vergonhosa. Enfim, planeta estranho o nosso, onde a cultura etílica isenta os seus seguidores de seus atos realizados sob efeito do álcool, e através de um estado alterado de consciência, podem tudo, incluso cometer barbaridades, tais como matar e ferir pessoas no trânsito, e ninguém tolera que sequer sejam repreendidos, verbalmente...


Continua...

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