quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 166 - Por Luiz Domingues


Claro que eu fui saber com minha prima, e o namorado dela, o que havia acontecido com o Chico Dias. Eles disseram que o rapaz estava muito deprimido, a sentir saudade de sua cidade; família; amigos e namorada. Até aí, foi legítimo e previsível que sentisse-se dessa forma. Todavia, disseram-me que ele resmungava o tempo todo sobre as dificuldades que estava a sentir na sua adaptação a São Paulo, e também por ter iludido-se em relação à Chave do Sol, pois alegara que quando entrou na banda, pensou que nós estivéssemos a usufruir de um esquema muito maior, em situação de banda mainstream, amparada por uma gravadora major. 

Ora, quando o convidamos, deixamos muito claro o patamar onde estávamos; o que desejávamos e os caminhos que precisaríamos percorrer para tal. Portanto, considero inaceitável tal argumento, pois explicamos-lhe muito bem a nossa situação naquele instante. Outro ponto importante, foi que mesmo por estar longe de uma carreira coroada e plena de mordomias inerentes, por considerar-se sermos ainda artista a habitar o degrau "underground", estávamos, na contrapartida, a subirmos muito rapidamente. 

Então, se ele não considerava tais conquistas como importantes, foi uma falha de avaliação de sua parte, por inexperiência (muito provavelmente), e uma certa dose de pessimismo, que era uma marca registrada de sua personalidade. Basta reler os capítulos anteriores para o leitor verificar que a agenda da banda, estava em plena expansão, por exemplo. Sem nenhum menosprezo, soberba ou presunção de minha parte, mas ao ser apenas muito realista, nesta análise autobiográfica, duvido que a banda em que ele fazia parte, no interior do Rio Grande do Sul, pudesse chegar nesse patamar, nem em 10% do que estávamos a obter naquele momento de 1984, quando ele entrou em nossa banda. 

A despeito de suas dificuldades pessoais (reconheço que foram mesmo difíceis), ele deveria ter esforçado-se para ficar um pouco mais, mesmo por que as perspectivas de melhorias, eram concretas. Faltou-lhe maturidade, haja vista a sua debandada, ao aproveitar-se de nossa ingenuidade em ter acatado a sua comunicação a alegar  doença e assim não participar de dois shows consecutivos. E pior, ainda soube que ele ficara "magoado", porque não fomos ao apartamento da Aclimação, para visitá-lo. Ora, tivemos dois shows em São Paulo, e uma viagem para o Rio, tudo seguido. O que ele queria, que cancelássemos tudo para dar-lhe sopa quente na sua boca ? De minha parte, sabia que ele estava amparado pela minha prima; seu namorado e o outro casal que dividia o apartamento / república com eles. Deixei um dinheiro com eles para ajudar nas despesas e comprar eventuais remédios na farmácia que ficava na esquina, sob uma distância menor do que cinquenta metros do apartamento. Enfim, o que pesou mesmo, foi a inaptidão dele para viver longe de sua terra, e do amparo familiar. Isso eu entendo e respeito. 

Mas nunca engoli o abandono sumário, ainda mais em uma fase onde tivemos muitos compromissos importantes. Estávamos a lutar para mudar a imagem da banda, e tirante os compromissos, havíamos gasto dinheiro em reformular o release oficial; organizar sessão de fotos etc. Fora os planos para gravar uma demo-tape, o quanto antes, o tempo gasto com ensaios a visar adaptá-lo à banda etc. Ele tinha toda a liberdade para sair, se estava insatisfeito, mas não custava nada ter falado-nos abertamente a sua situação, em uma reunião. A franqueza sobre tais sentimentos que nutria, não teria chocado-nos tanto, certamente, quanto a sua fuga. Enfim, de minha parte, vinte e nove anos depois (escrevi este trecho em 2013 na plataforma do Orkut), é claro que esse evento diminuiu a sua carga emocional, e há muitos anos que nem penso nisso como uma mágoa. Está para lá de perdoado, e espero que perdoe-me também, por eu ter ficado chateado na época, ainda que eu tivesse um motivo forte para tal. 

Alguns dias depois, recebemos uma carta manuscrita dele, a pedir-nos desculpas. Dizia-se muito arrependido por ter tido essa atitude não recomendável, mas justificava-se ao alegar tudo o que eu disse acima, sobre a não-adaptação; saudade desmesurada da família; decepção com os recursos da banda etc. Por volta de 1989, com uma outra banda chamada "A Chave / The Key", a viver os seus momentos "pós- Sol", o Zé Luiz disse-me que havia encontrado-se com o Chico Dias a circular por São Paulo. Mais maduro, aproveitou para reiterar o seu pedido de desculpas pelo seu ato cometido em 1984. Menos mal. E muitos anos depois, o Zé Luiz contou-me que novamente havia falado com ele, via telefone, onde conversaram sobre amenidades. 

Chico Dias tinha muito potencial vocal, e se lapidado, poderia ter tornado-se um excelente frontman de banda de Rock. Vida que seguiu, ainda em novembro tínhamos compromissos a cumprir, e uma luz surgiu no horizonte, em relação a um novo vocalista em potencial para a banda. Luz, não, mas uma autêntica, "Aurora Boreal"...

Continua... 

Nenhum comentário:

Postar um comentário