segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 160 - Por Luiz Domingues


Chegamos em tempo para realizarmos um soundcheck tranquilo no Teatro Lira Paulistana, e é bem verdade que a equalização ali era simples, por conta das dimensões diminutas do espaço. O segredo era tocar baixo no palco, ao tentar buscar uma padronização de volume com as vozes no P.A., este por sua vez, bem pequeno, pelo fator da compatibilidade. Outra vantagem boa que tivemos foi o fato de termos ficado amigos do técnico de som da casa, o Canrobert. Não errei o nome a esquecer-me de apertar a barra de espaço do teclado... de fato, ele tinha esse nome exótico, de batismo.  
Neste frame do documentário sobre a história do Teatro Lira Paulistana, eis acima a figura do amigo, Canrobert, em um momento do vídeo, onde conta "causos" pitorescos da época em que foi técnico daquele Teatro.

Extremamente gentil e boa pessoa, o Can era muito competente, e tinha uma característica interessante que poderia ser um fator de estranhamento para nós, mas pelo contrário, tornamo-nos muito amigos, e essa tal divergência só nos fez entender uma série de fatores sobre tal movimento antagônico. 

Refiro-me ao fato dele ser Punk com convicção ideológica desse movimento e como ele mesmo gostava em enfatizar, "estava comprometido com o movimento Punk, até o pescoço". Todavia, extremamente gentil, destoava de certas características dos que professavam essa "filosofia", principalmente os mais xiitas, que seguiam o "manual de Malcolm McLaren" à risca, com determinação militar. E nesses termos, apesar de ser um membro ativo do movimento, e como técnico de som, acompanhar de perto a carreira de bandas como dessa seara, tais como : Cólera; Inocentes, e Ratos de Porão, entre outros, ele não havia comprado aquela determinação niilista, em repudiar o passado, a todo custo. Pelo contrário, entre nós, falava abertamente que apreciava bandas Prog Rock setentistas, talvez o maior objeto de ódio dos xiitas de 1977...

E dizia-nos que precisava manter em sigilo tais opiniões, por que era de fato um antagonismo que do lado de lá, ninguém toleraria. Por outro lado, falava-nos também sobre particularidades que faziam com que tivéssemos uma outra visão , mais branda do vulcão Punk. Uma das mais engraçadas, foi quando falou-nos que garotas Punk, eram como abacaxis... com casca grossa por fora, mas doces por dentro...

Ficamos muito amigos e já em 1985, ele acompanhar-nos-ia, como nosso técnico, em shows fora do Lira Paulistana, inclusive. Enfim, esse era / é o grande, Canrobert, que anos depois, tornar-se-ia o técnico de P.A. dos Titãs, inclusive até os dias atuais (2014). 

E nesse dia 24 de outubro de 1984, fizemos uma passagem de som tranquila, e o show, ocorreu na mesma forma. O Chico Dias estava um pouco mais animado, mas não muito, digamos assim. Não percebíamos na hora, por achar que passaria, mas ele já devia estar determinado a deixar a banda, pelos sinais sutis que emitia.
Não dá para deixar de observar que em todas as notas publicadas, em jornais diferentes, a anunciar tal show no Teatro Lira Paulistana, o nome de Chico Dias não constou do serviço. Simplesmente ignoraram o release novo que a própria assessoria de imprensa do Lira Paulistana enviou-lhes. Por outro lado, foi um presságio do que estava para acontecer-nos em questão de dias...

Nesse dia, ele cantou duas músicas de sua autoria, sozinho, ao acompanhar-se ao violão. Achamos salutar essa oportunidade em podermos incorporar um elemento Folk ao som d'A Chave do Sol. Uma das canções chamava-se : "O Lobisomem", a outra, sinceramente, não lembro-me. Mesmo com essa iniciativa dele, em propor uma criação pessoal sua para ser inserida no show, o seu mau humor crônico pareceu estar inabalável. Tivemos um bom público, ao considerar-se ser uma quarta-feira : cinquenta pessoas. Foi no dia 24 de outubro de 1984...

Continua...

2 comentários:

  1. É uma pena o baixo astral do Chico, dava para perceber o olhar triste dele no vídeo do Realce Baby. Apesar de todas os trabalhos que estavam fazendo não foi suficiente para levantar o astral dele.

    Quanto ao técnico de som Punk, tive também a alegria de ter alguns amigos Punks que não se deixaram levar pela moda da maioria em desprezar o passado.

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  2. Bem observadora, você !

    De fato, até no semblante dava para ver que o rapaz era desanimado e pessimista por natureza. Estávamos numa fase incrível de ascensão, com portas começando a abrir e ele não enxergava o lado bom disso, apenas os ruins. Creio que só melhoraria seu comportamento se estivéssemos numa condição melhor no mainstream da música, surfando nas ondas do BR Rock 80's. É claro que não estávamos nessa condição quando ele entrou na banda, mas caminhávamos muito bem nessa direção, com muitas aparições na TV, música tocando na Fluminense FM do Rio, muitas matérias pipocando na imprensa escrita...

    Verdade, na mesma medida em que nem todo alemão era nazista. Pelo contrário, haviam opositores do regime e que além de verem o país destruído, tiveram que suportar o peso do ódio mal filtrado da parte de quem foi duramente prejudicado pelos nazis.

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