domingo, 20 de julho de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 147 - Por Luiz Domingues

Ao começar pela questão pessoal do Chico Dias, ele comunicara-nos, dias antes, que estava com muita saudade de sua namorada, e que pensava em convidá-la a vir para São Paulo, passar o feriado prolongado com ele. Ora, apoiamos de imediato a ideia, por que seria um fator motivacional a ajudar nessa fase difícil de adaptação que ele enfrentava, em todos os sentidos.

E além do fato de ser um feriado, e a moça poder programar-se sem perder as aulas de sua faculdade, ele certamente contava com uma apresentação em um lugar mais badalado, com equipamento de som e luz de alto nível, para impressioná-la, pois nos shows anteriores, ainda não tinha tido tal oportunidade para atuar em melhores condições com a banda. Até aí, tudo bem, mas um componente social estaria a atrapalhar tal planejamento pessoal de sua parte : onde estava hospedado, na casa do poeta, Julio Revoredo, a presença da namorada não era conveniente para o pernoite. Portanto, sem meios financeiros para bancar um hotel para o casal, a presença da namorada tornou-se um problema a mais para ser resolvido. 
A solução inicial seria hospedá-los na casa de veraneio da família do Zé Luiz Dinola, que ofereceu-a, gentilmente. Apesar de um pouco longe, localizada no município de Itapecerica da Serra, mostrava-se extremamente confortável e nesse caso, o casal teria uma ótima Lua de Mel para aproveitar e só daria um trabalho extra ao Zé Luiz, por conta de ter que levá-los e buscá-los até tal cidade (não tão longe assim, pois fica na Grande São Paulo). Solucionado aparentemente a tempo, por conta do Zé Luiz ter checado, e ninguém de sua família ter afirmado que usaria a casa naquele final de semana, foi dado o sinal verde para a garota gaúcha comprar a sua passagem de Porto Alegre à São Paulo. Chegou o dia do show e a "guria" estava a postos para acompanhar a performance de seu namorado. Ela era simpática e educada, inteligente e universitária, ao aparentar ser, sinceramente, bem mais madura do que ele. 

No que interessava-nos de fato, estávamos contentes, pois a sua presença pareceu ter garantido o equilíbrio que o Chico Dias precisava para suplantar as suas dificuldades de adaptação para conosco. De volta a falar sobre o show em si, quando a casa abriu para o público, vimos que aquele lugar era realmente hostil para nós. Todos os funcionários estavam fortemente maquiados e vestidos a caráter, para reforçar o que eu disse anteriormente, ou seja, não foi uma forma de expressão apenas, mas literalmente pareceu-nos que estávamos a figurar em um vídeoclip daquelas bandas egressas do Pós-Punk.
Olhavam-nos com um desdém tamanho, que sentimo-nos impossibilitados de circular pela área social da casa, e assim, resolvemos recolhermo-nos ao camarim, que mesmo tumultuado, parecia mais agradável do que estar em meio àquele pesadelo oitentista vivo. Chegou a hora do show, enfim...

Posicionamo-nos e quando a casa fechou o som mecânico da pista, demos início. Havia um público bem razoável presente, mas estava absolutamente indiferente à nossa apresentação. Alguns mais abusados, hostilizavam-nos, ao dançar no meio da pista de uma forma debochada e /ou a rir acintosamente de nós, como se fôssemos ridículos, se bem que em face ao que cultuavam, nós devíamos ser mesmo aos seus olhos; ouvidos e preconceitos arraigados. Tocamos "Luz", nessas condições e sinceramente, mesmo sendo um público hostil, "Luz", por ser um Rock tradicional com ares cinquentistas, poderia não ter sido tão ruim ao preconceito deles, por isso a colocamos como a primeira música do set list. 


A seguir, tocamos : "Anjo Rebelde", que poderia gerar um certo frisson por ser mais pesada, mas o que aconteceu de fato, foi uma enorme indiferença, com a massa presente na casa, a ignorar-nos em sua maioria e alguns a hostilizar-nos, ainda que de forma até leve, digamos assim, em comparação ao que fizeram com Robertinho do Recife, alguns dias antes. Começamos a terceira música, que foi "18 Horas". Ainda tocaríamos cerca de mais oito, pelo que lembro-me, pois fomos com a proposta de um show mais curto que o normal, devido às circunstâncias. 

Quando chegou no ponto da música onde começaria o solo do Zé Luiz, ouvi-o a dar uma acento muito forte no seu prato "crash", e a seguir outro, seguido de gritos, fora do microfone. Olhei para trás e o vi ensandecido, em pé, a esmurrar o prato, compulsivamente e a gritar : -"não, não, não"... 

Por uma fração de segundos, eu paralisei sem entender o que estava a acontecer, quando finalmente percebi que o som mecânico da casa estava ligado a todo vapor, muito mais alto do que o P.A. do nosso show ! A direção da casa, ligara o som mecânico, a encerrar o nosso show compulsivamente, de forma arbitrária e para lá de deselegante, sem nenhuma justificativa ou aviso ! Eu e Rubens ainda demoramos para entender o que passava-se. O Chico Dias estava a ser consolado pela namorada na coxia e o Zé Luiz ficou possesso, e com toda a razão ! Bem, de volta ao camarim enquanto desmontavam o palco, estávamos muito chateados. Então, o pior aconteceu... sim, ainda haveria mais desgraças... 

O Zé Luiz e o Rubens, acalmaram-se e após alguns minutos a recompor-se emocionalmente, foram ao escritório do dono do estabelecimento para receber o pagamento acordado. Receberíamos uma porcentagem da bilheteria. Independente dessa atitude horrorosa que tomaram contra nós, não abriríamos mão de nosso cachet, mesmo por que, tínhamos que pagar o P.A. que alugáramos. Quando ambos chegaram ao escritório do sujeito, foram informados pelo rapaz, que não tínhamos direito a nada, pois o nosso pagamento não seria medido pelo público presente na casa (cerca de quinhentas pessoas estavam presentes), mas pela quantidade de pessoas que alegaram ter ido lá para assistir-nos, mediante o preenchimento de um cadastro solicitado na porta ! 

O Zé Luiz enlouqueceu, por que foi óbvio que não havíamos combinado nada disso no acerto prévio. O rapaz, absorto em uma arrogância incrível, mandou buscar os tais papéis preenchidos e mostrou-lhes pouquíssimos, o que resultaria em uma quantia irrisória. E o que isso provava, se não havíamos combinado nada disso, anteriormente ? Sem contrato assinado, foi palavra contra palavra e nem foi possível engrossar, pois a segurança da casa mostrou-se de prontidão, a intervir com truculência, quando o Zé Luiz esboçou exaltar-se. No ápice da humilhação, o sujeito ainda teve o supremo requinte de crueldade, ao afirmar que mandara cortar o nosso show, pois estávamos a entediar o seu público. Segundo ele, "ninguém estava a gostar"... certo, tratava-se de uma casa hostil ao nosso espectro musical. De fato aquela horda estava indiferente ao show, eu entendo por esse aspecto, contudo, passar por cima do acordo financeiro, ainda mais ao saber que havíamos contratado um P.A., e pior, sob uma grosseria atroz em cortar-nos o show com menos de três músicas executadas, mais pareceu uma provocação e pior, proposital...
Continua...

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