segunda-feira, 28 de julho de 2014

Camila - Por Tereza Abranches


Momentos que duram eternidades, ou seriam eternidades dentro de um momento, de alguns minutos... não saberia dizer.

O que eu senti não pode ser descrito em palavras, em pensamentos, em nada, só o coração seria capaz de expor tal magnitude de mil corações em um só, naqueles momentos.
Como ser grande o suficiente pra conseguir reduzir tudo ao tamanho de um simples coração?

Naqueles momentos, eu vi uma parte de mim que, feita mulher, seguia seu caminho divino.
Uma parte imensa de mim, que brotou do meu corpo e desde então leva consigo parte da minha alma.

Naqueles momentos, vi um bebê correndo pela vida, tropeçando nas palavras, nos próprios pezinhos e sorrindo como só ela sabia sorrir.

Vivi, naqueles breves momentos, todo um turbilhão de emoções e a Vida se fez presente.
Presente pra mim, presente pra ela.

Ela, que colhia pequenas flores, folhinhas, beijos e abraços e me trazia, colocava no meu colo, aninhava-os no meu peito, e eram presentes que nem a criatura mais rica do mundo poderia comprar, ela me dava.

Naqueles momentos, quando eu achava que todo o Amor e todo o Sentimento já tinham sido vividos e compartilhados, eu a vi.
E ela vinha, linda, e as pequeninas flores que um dia me deu, agora enfeitavam de Luz e Paz os seus cabelos.

Rosas nas mãos, como um dia em minhas mãos estava seu corpinho minúsculo, quente, doce, amado...
E o meu bebê, agora feita mulher em toda a sua plenitude, surgiu à minha frente e mil auroras a acompanhavam, mil Anjos cantavam à sua volta, meus mil corações batiam ao ritmo do coração dela.
Lágrimas... lágrimas de Amor, de Alegria e Paz desceram, e cada uma delas trazia uma fase de sua vida, fases que marcaram a minha vida, a vida dela e que culminavam naqueles momentos, em uma nova fase.

E eu fui feliz.
Eu fui mãe.

Eu fui corpo que floresceu e deu vida à sua vida.

E eu amei naqueles momentos com o Amor de Maria de Nazaré, tão profundo e transcendente como só o Amor de Mãe pode ser.
A cada passo que ela dava pra chegar ao altar, o tempo a acompanhava.
Na porta ela era o meu bebê, mais à frente, minha menininha, um pouco mais, minha menina flor, e quando ela chegou ao altar, uma esplêndida mulher em toda a sua dignidade, honra e caráter... a Mulher-Camila, que eu agradeço infinitamente ao Altíssimo hoje e sempre por ter me permitido ser sua mãe.






Tereza Abranches é colunista fixa do Blog Luiz Domingues 2. Escritora e artesã, desenvolve também estudos sobre literatura e espiritualidade.


Nesta crônica, nos passa toda a emoção vivida no casamento de sua filha, Camila, com o seu jovem genro, Bruno Matos. Fotos reais do casamento, disponibilizadas pela Tereza.
 


Conheça seus trabalhos de artesanato, através desses links :
 

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quarta-feira, 23 de julho de 2014

A Hospitalidade de Dorinha - Por Marcelino Rodriguez

Dorinha é uma meio basset de uma amiga e tão educada, que se fosse gente, seria uma erudita de delicadezas, moça de ter lido , ao menos,  mais de dez poetas. 
Recebe os convidados sem rosnar, como convém aqueles que ainda tem a hospitalidade entranhada na educação.  Uma dama e como tal, eu, um cavaleiro dos velhos tempos,  se derrete em jardim.   
Foi a primeira a me receber e assim ficamos brincando por minutos que me fizeram esquecer, nesse minutos sem conta,  todas as repúblicas de patetas que existem na galáxia.   
Repúblicas de verdade existiriam se os homens fossem governados por sábios filósofos e hoje em dia não se lê nem Pablo Neruda nas escolas de base.   
Paulo Francis dizia conhecer um leitor de Platão só pela risada.

Dorinha é culta.

Enquanto a amiga vai ver umas coisas no escritório,  até que iniciássemos nossa prosa, a pequena Basset fica aninhada em meu colo confortavelmente, olhando o universo como se eu e ela fôssemos os grandes personagens de toda essa engrenagem entre nuvens e  estrelas. 
Conquistou meu coração para sempre, saber que ela não rejeita um intelectual quase honesto, nesse país de gente esquisita. Gente que não sabe ficar com prazer ao lado de seu próximo. 
Gente que rosna. 
Gente para quem não somos nada, quando não temos  capangas nem marketing. 
Dorinha me provou, naquela tarde, que nos cachorros letrados a sensibilidade de excelência e a sabedoria do Tao ainda existem em algumas poucas criaturas, as que sobrarão quando Jesus voltar.   
E como demora a voltar, não ? 

Nossa. 
Dorinha é o que há.  Para ela, sou um Nobel.  


Enquanto houver cachorros, terei esperanças.

 

Marcelino Rodriguez é colunista esporádico do Blog Luiz Domingues 2. Escritor de vasta e consagrada obra, aqui nos traz a história de Dorinha, uma cadelinha Basset muito culta.

terça-feira, 22 de julho de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 153 - Por Luiz Domingues


O palco foi inteiramente renovado e o P.A. do Circo Voador, recebeu reforços significativos com caixas. Vimos um impressionante equipamento particular do Rádio Táxi sendo instalado muito rapidamente, por um exército de roadies, e ficou claro que o som deles seria muito melhor do que o das bandas anteriores, e em relação ao Metrô, ficara a ressalva que tinham bastante equipamento, ainda que estivessem coadunados com as sonoridades oitentistas medíocres por opção, pois tinham condições de fazer algo muito melhor pelo fato de serem ótimos músicos

O Rádio Táxi foi outro caso de uma banda formada por excelentes instrumentistas, com a intenção deliberada de fazer uma música Pop e 100% coadunada com aquela estética em voga. Egressos dos anos setenta, não tiveram dúvida em cortar o cabelo bem curto; encomendar roupas ao sabor dos modismos em voga e o pior de tudo, evocar aquelas sonoridades abomináveis. Para tocar aquele som, foram fundo, e tal como o Metrô, usavam instrumentos modernosos como o famigerado baixo Steinberger, aquela coisa "Dark", metida a futurista... como resultado, a sonoridade era horrível e só lamentávamos o fato de músicos de enorme capacidade estar a fazer aquele som somente pelo dinheiro, mas com a maturidade adquirida, hoje eu pergunto-me : não teríamos feito a mesma opção se tivéssemos tido a mesma chance ? Mas essa constatação fora além do lamento, pois mexia diretamente conosco.
Tal realidade provocava-nos a chance para elucubrarmos sobre a nossa própria expectativa de carreira. Sendo muito francos conosco mesmos, quantos por cento, não queríamos estar naquela situação confortável do Rádio Táxi; Metrô e outras bandas que estavam a gozar das benesses de uma carreira bem estruturada no mainstream ? Todavia, na época, não pensávamos dessa forma. Claro que ambicionávamos o mainstream, porém, foi óbvio que o mercado oitentista estava a borbulhar para o Rock, mas nesses moldes das estéticas oitentistas que abominávamos. 

E nessa altura dos acontecimentos, não bastava só ir ao barbeiro e cortar o cabelo para adotar um corte esquisito, e usar muito reverber e chorus nos instrumentos. Já estávamos na luta, e mesmo que a habitarmos um patamar muito inferior ao que esses artistas privilegiados estavam por usufruir, pelo fato de termos música a tocar em rádio; muitas aparições na TV, e portfólio em franco crescimento, não havia meios para retroagir, e assim remodelarmos a nossa carreira. Seria digno de filmes de Cheech & Chong, se uma banda com a nossa sonoridade e identidade ideológica, aparecesse da noite para o dia, com os componentes a usar visual Pós-Punk, e a tocar músicas novas, coadunadas com aquela estética. Deixaríamos de tocar "18 Horas" repentinamente, e seríamos o "Echo and the Bunnymen"do Itaim-Bibi, assim, sob um piscar de olhos ? Ha ha ha !

Claro, mera especulação, pois não havia meio de nós pensarmos em numa estratégia desesperada dessas e convenhamos, nunca cogitamos uma bobagem desse porte, pois em realidade, tínhamos muitas esperanças em atingir o mainstream, mas por outros meios. Estávamos muito confiantes na possibilidade do mercado expandir-se, ao abrir um outro nicho, fora dessa egrégora do Pós-Punk, ou seja, para seguir a tendência do mercado americano e europeu, onde havia os dois polos a funcionar concomitantemente (refiro-me ao Hard-Rock e Heavy-Metal, oitentista). Seria para esse lado que deveríamos pender, mais próximo de nossa realidade, apesar de também ser um terreno inóspito para Rockers que comungavam pela velha cartilha 1960 / 1970. 
Bem, de volta ao assunto, o som do Rádio Táxi estava todo concebido para ser modernoso e estar coadunado com a estética da época, mas como a intenção foi ser Pop e leia-se o conceito pop, como algo bem perto do popularesco, ou seja, foi como se o The Fevers, ou os Pholhas tivessem tomado um banho de "modernidade", e estivessem a fazer o seu som, travestidos como uma banda Pós-Punk, só para seguir um modismo de ocasião. Além do o fato de ter excelentes músicos e portanto tocar com uma segurança incrível, o Rádio Táxi  soltava aqui e ali, pequenos lampejos de Prog Rock, Jazz-Rock, muito sutis, e dava para entender. Parecia que faziam isso como fumantes de escritório, que dão aquelas escapadas para os fumódromos, ao visar buscar um alívio rápido com rápidas tragadas...

Não deixava de ser um mérito, claro e os rapazes já tinham muitos Hits naquela época, com o público a responder de forma rápida a cada canção de apelo radiofônico e noveleiro que executavam, daí as "escapadas" para um som sofisticado no meio do set list. Foi um show longo, e embora o público demonstrasse estar a apreciar, nem de longe havia aquela euforia, que verificamos quando chegamos ao Circo Voador, e o Camisa de Vênus apresentava-se. Fomos para o apartamento da irmã do Zé Luiz, quando conversamos sobre todas as observações que fizéramos, e no dia seguinte, por volta das 14:00 horas, fomos à rodoviária do Rio, onde o Rubens e o Chico Dias chegariam, acompanhados do amigo Claudio "Capetóide" de Carvalho, que viria junto para atuar improvisadamente como roadie. 

Continua...

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 152 - Por Luiz Domingues


Felizmente, esse final de semana de terror, encerrou-se com a garota do Chico Dias a voltar para a casa, e chegar sã e salva à Porto Alegre. Apesar do abatimento que essa história toda causou-nos, não tínhamos tempo para cair na depressão, pois mesmo com a humilhação daquele show malogrado na Danceteria Tífon, e a agravante de nossas economias estarem a voar em um cheque, em direção a um bolso alheio (e nem acrescento nesta conta, o baixo astral perpetrado pela onda de azar cinematográfica de Chico Dias e sua namorada), precisávamos levantar o ânimo, pois no sábado subsequente, estávamos escalados para tocar no Festival BR-Rock, no Circo Voador, do Rio de Janeiro. 
A produtora do Língua de Trapo, na época de minha segunda passagem pela banda, Cida Ayres, e que muito auxiliou A Chave do Sol nesse ano de 1984

Lograra êxito a nossa investida em setembro, e graças a um empurrão providencial da parte da produtora, Cida Ayres, a produtora do Circo Voador, Maria Juçá, gostou do nosso material, e escalou-nos para a noite do terceiro sábado do festival. 

Claro, ficamos eufóricos com essa possibilidade em estarmos inseridos em um festival de grande porte, para tocarmos em meio a muitas bandas que estavam na crista da onda do mainstream, e no Circo Voador, lugar muito badalado, no Rio de Janeiro. Foi a hora para espantar o baixo astral, e ensaiar com bastante atenção, e foi o que fizemos nessa semana que antecedeu o nosso show no Festival. 

Como o Zé Luiz tinha a sua irmã mais velha a morar no Rio, ele propôs que eu fosse com ele um dia antes, para fazermos mais contatos e diante dessa possibilidade de termos um lugar para ficar, claro que eu aceitei. Eu e Zé Luiz fomos para o Rio, na madrugada de quinta para sexta, e chegamos bem cedo. Da rodoviária, fomos direto para o bairro de Ipanema, na zona sul, onde descansamos um pouco no apartamento da irmã dele, e logo depois do café da manhã, saímos para aproveitar ao máximo o dia. Iniciamos com uma visita à redação da Revista Roll; fomos à Rádio Fluminense, e visitamos algumas lojas de discos. No meio da tarde, visitamos o Circo Voador para dar uma olhada no equipamento e movimentação do dia, quando a Maria Juçá convidou-nos para que assistíssemos os shows programados para aquela sexta-feira. Claro que tencionávamos voltar ali a noite, mas tínhamos ainda muitas horas pela frente, e resolvemos voltar à nossa hospedagem no apartamento da irmã do Zé Luiz, para descansarmos; tomar banho e jantar. 

Contudo, tínhamos um plano antes de ir ao Circo Voador. Resolvemos ir ao Parque Laje, onde na mesma noite, ocorreria um show dos Paralamas do Sucesso. Não queríamos ver o show, mesmo por que não daria tempo, mas a nossa intenção foi sentir a vibração do lugar, que eu particularmente conhecia apenas pelo cinema, com cenas de filmes como, "Macunaíma" e "Terra em Transe", que ali foram produzidas. De fato, o local era belíssimo, e usado para show de Rock, com a possibilidade do uso de iluminação, ficava fantástico. Tocar ali não seria nada mau, mas pelo que sentimos, não era um espaço que estava a ser utilizado com essa finalidade, com constância. Portanto, não adiantava nada procurar saber quem estava a produzir aquele show dos Paralamas, naquele instante, pois seria algo inusitado e sazonal, sob uma primeira impressão. 

Fomos para o Circo Voador e quando lá chegamos, tivemos uma certa dificuldade para entrar, por conta de seguranças truculentos e despreparados. Bem, nenhuma novidade por tratar-se de Brasil e convenhamos, 2013 em curso (quando escrevo este trecho), e isso não melhorou muito em shows da atualidade. Quando finalmente entramos, a casa estava absurdamente lotada. Não dava para mexermo-nos, literalmente, e o miolo da pista parecia uma guerra campal, pela ação do famigerado "Pogo", aquela prática famigerada e tipicamente oitentista, com o público a não prestar atenção no artista no palco, mas usar o som do show para debater-se uns aos outros, ao denotar a iconoclastia punk de 1977, onde o artista era encarado como um mero joguete a serviço de rituais truculentos de ordem primitiva, e não como protagonista artístico de um espetáculo cultural.

O Camisa de Vênus tocava, e mesmo eu que eu soubesse que o Marcelo Nova é um sujeito com boa intenção, e é Rocker, claro que o Rock'nRoll "raulseixista" que ele professa em seu íntimo, passava ao largo em 1984, pois ele e seus amigos aproveitavam-se da moda do Pós-Punk, para surfar nessa onda. Aquela conversa dissimulada de que faziam "Rock'nRoll", era mera retórica distorcida, pois na prática, o som que faziam era o Punk tosco, e o público adorava aquela manifestação atroz sobre quem matou Joana D'Arc, ou coisa que o valha. Bem, constatar a realidade oitentista no meio da erupção, pareceu-me inevitável naquela situação... 


Ficamos a assistir tudo, posicionados bem no fundo, pois tentar aproximar-se seria um exercício de masoquismo, que definitivamente não estávamos interessados em submetermo-nos. Quando o show do Camisa de Vênus encerrou-se, o público dispersou em direção ao bar, e muita gente saiu do Circo para recompor-se e respirar, com aquele calor todo gerado. Aproveitamos a brecha e fomos para a coxia, onde o Metrô preparava-se para entrar em cena, enquanto roadies apressados faziam a troca de set up das bandas. Muito simpático, o baterista do Metrô, Daniel, lembrou-se de minha pessoa, e veio conversar conosco. Falara com ele quando toquei com o Língua de Trapo no Festival de Águas Claras, em março daquele mesmo ano, e a sua banda ainda chamavam-se "Gota Suspensa"(essa história está contada em detalhes no capítulo do Língua de Trapo). 

Ele mesmo rememorou isso, e dizia que a vida tinha mudado da água para o vinho, e estavam a "morar" dentro de aviões e quartos de hotéis, há meses. No sábado, iriam fazer um show em Salvador, mas no domingo, voltariam ao Rio, para gravar o programa do Chacrinha. Um caso raro de pessoa humilde que foi para o mainstream (falarei sobre outro, logo mais), fiquei feliz por vê-lo a atravessar um momento de ascensão incrível. 
Sabia que aquele som a la New Wave oitentista e robótico que tocavam, o desagradava, pois a predileção dele era o Rock Progressivo setentista, mas como era bonito, por outro lado, ver um conhecido a alcançar no mainstream ! Bem, ele despediu-se, e convidou-nos a ver o show, mesmo ao saber que não era a nossa predileção, e foi para o palco, onde já o chamavam com insistência e certa tensão. 

O show deles começou e realmente foi muito decepcionante ver músicos bons a serviço daquele som Pop e raquítico. Aqueles timbres de plástico doíam nos ouvidos. Baixo Steinberger; bateria sintetizada; aqueles teclados com timbres ridículos, e a guitarra plugada em um insípido amplificador Roland Jazz Chorus... ninguém merecia, nem mesmo ao considerar-se que estávamos em 1984...

A performance deles era perfeita para aquela estética. Muito bem vestidos, mas naturalmente sob aqueles parâmetros em torno do apreço pelos dândis oitentistas, a ostentar cortes de cabelo esquisitos e forjar um futurismo tipicamente oitentista, e só possível mediante o uso de muito gel. Pareciam os músicos do Kraftwerk, com coreografias robóticas, dignas daquela época, e tudo a parecer um copião do filme : "Blade Runner". 


Absolutamente deprimente, uma pena. Encerrado o Metrô, foi a hora do headliner da noite, os paulistanos do Rádio Táxi...

Continua...

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 151 - Por Luiz Domingues


Desta vez, não fui chamado para ser o "bombeiro", mas o Carlos Muniz Ventura ligou-me para contar-me que naquela hora (cerca de 13:00 horas), estava tudo bem, mas quase acontecera uma tragédia, horas antes. Segundo Carlos, ele fora acordado por volta das 8:00 horas da manhã, com o Chico Dias a berrar, desesperado. Aos gritos, ele dizia : -"minha mina morreu"...

Transtornado com essa informação chocante, o Carlos foi imediatamente ao hotel, socorrer o casal. Mas nessa altura, alguém do hotel já havia solicitado uma ambulância. O Carlos chegou quase simultaneamente ao resgate e aliviado, descobriu que a moça estava viva, embora desmaiada. Levada imediatamente para o Hospital das Clínicas, foi diagnosticado o seu desmaio como reação do organismo pela falta de insulina, visto que ele era diabética e em meio àquele nervosismo gerado em todo final de semana tumultuado, esquecera-se de injetar a sua insulina diária. Tremendo de um susto ! Ela ficou internada por mais um dia e teve que trocar a passagem de volta para o sul, mas nem de longe, foi o pior problema que enfrentou naquele final de semana dantesco. O Chico Dias que era carrancudo e pessimista por natureza, depois desse evento todo, piorou muito. E a vinda de sua namorada que teve o objetivo de promover a sua autoestima, infelizmente por fatores alheios à sua vontade, culminou em ter efeito inverso !

O melhor remédio dali em diante, seria mesmo tentar esquecer tudo, e seguir em frente em nossos planos. Ao pensar em física quântica, teria bastado cancelar o show da Tífon, assim que soubemos que teríamos que alugar um P.A. por nossa conta. A nossa insistência em fazer um show dentro de uma casa que sabíamos ser hostil e pior, ao corrermos um alto risco financeiro, foi uma sandice. Talvez, se tivéssemos de fato cancelado, não houvesse a ideia do Chico Dias, em trazer a sua namorada. 

No campo das infinitas variantes que precipitam-se à cada peça que mexemos no tabuleiro de xadrez, é fascinante verificar que tudo poderia ter sido diferente... bem, a vida seguiu, apesar desse final de semana sob derrotas múltiplas...


Continua...

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 150 - Por Luiz Domingues


Bem, voltei para a casa aliviado, mas estava ainda muito aborrecido pelo desastre humilhante da noite anterior, e também pelo prejuízo financeiro, além de estar  estressado com esse sufoco repentino para alojar, Chico Dias e a sua namorada. Mais tarde, com todo mundo tendo melhorado o humor consideravelmente, encontramo-nos novamente na estação do metrô e fomos dar uma volta na Av. Paulista. A garota (guria !), queria conhecer o MASP (Museu de Arte de São Paulo), mas naquele horário noturno, não estava aberto. Estava tudo calmo e fomos embora. O casal estava a sorrir, enfim, e dali, partiram para a sua sossegada noite de amor, e que  desse-lhes paz, ainda bem... 

Mas outra bomba estava reservada para a manhã de domingo... novamente fui tirado da minha cama repentinamente, com a notícia de que uma ocorrência horrível acontecera, ao gerar nervosismo e constrangimento na residência do Hélio. Simplesmente os pais dele anteciparam sua volta à São Paulo, e surpreenderam um casal jovem e completamente estranho, a dormir inteiramente nus na sua cama ! Furiosos, expulsaram-nos aos gritos, mal tendo tempo para que pudessem vestir-se. Estressado, Chico Dias não sabia o que fazer e o Hélio entrou em um castigo sob clausura, e só consegui falar com ele, vários dias depois. Pensar... pensar... onde alojar esses dois por mais um dia, visto que a namorada só voltaria à Porto Alegre na segunda-feira, por conta da passagem comprada antecipadamente ? 

Outra hipótese impensável ocorreu-me : lembrei-me do Hélcio Junior, aquele fã abnegado que levava faixas às gravações do programa "A Fábrica do Som", para incentivar-nos e que intermediara três shows para nós na sua cidade natal, Atibaia, no interior de São Paulo. Ele estudava em São Paulo e morava em um apartamento com o seu avô, mas o senhor raramente ficava em São Paulo, portanto, na prática, ele ficava sozinho o tempo todo. Restava-nos saber se o Hélcio estaria em São Paulo e ajudar-nos-ia por uma noite. Liguei e dei sorte : ele estava, e indo além, estava sem a presença do seu avô e aceitaria abrigar o casal, sem problemas. Como fã da banda, sentia-se feliz em ajudar e até apreciaria recebê-los para tomar vinho e ouvir música, sendo isso, melhor que estudar, o que teria sido a sua projeção para aquela noite. Pois muito bem, fui levar o casal até a av. Paulista, onde encontramo-nos com o Hélcio Junior. O seu apartamento ficava nas imediações da Rua São Carlos do Pinhal, ali perto. Ao contrário da noite anterior, o casal estava em frangalhos novamente, e confesso, eu também estava cansado dessa situação. 

Bem, entreguei-os ao Hélcio e fui para a minha casa. Tudo o que eu desejava era descansar e chegar, segunda-feira no ensaio, um pouco melhor, para tocarmos a nossa vida adiante. Mas a minha paz não durou muito. Eis que recebi um outro telefonema e lá estava o Chico Dias, desconsolado, a ligar-me de um telefone público na Av. Paulista. O mesmo raio caíra três vezes na cabeça do azarado, Chico Dias... pois o avô do Hélcio Junior chegara de surpresa e não gostou da ideia do casal ficar ali naquela noite. Não foi aos berros, mas foi feito um convite para eles retirar-se... 

O Hélcio ficou muito chateado, mas nada podia fazer, pois o avô era de fato o proprietário do apartamento e daí. Bem, lá fui eu de volta para encontrá-los na Av. Paulista. Estavam sentados na escadaria da TV Gazeta, cabisbaixos. E desta vez, eu não sabia o que mais poderia fazer mais para dar um jeito no infortúnio do casal. Eu também estava sem recursos e minha casa era pequena naquela ocasião, e sem chance para um oferecimento, nem que fosse emergencial. A minha ideia foi ligar para alguém daquele grupo de amigos que orbitavam a banda, desde 1982. Algum deles poderia ter uma ideia. 
Gentis como sempre, mobilizaram-se e vieram encontrar-nos. Nenhum deles poderia oferecer a própria residência, mas organizaram uma coleta e a dividir bem, até eu ajudei, apesar de minha precariedade financeira à época. Após um jantar animado, onde o casal pôde relaxar um pouco, após tantas emoções, os deixamos alojados em um hotel nas Perdizes, bairro da zona oeste de São Paulo. Dali, havia uma estação de metrô próxima, e os instruímos então a dirigir-se à rodoviária no dia seguinte, sem problemas. Deixamos o casal a vontade para relaxar no hotel, e fomos embora. Fiquei muito feliz pelo apoio dos amigos, onde destaco o Carlos Muniz Ventura, que foi fotógrafo de muitas ocasiões importantes da banda, incluso fotos promocionais de encartes de discos (o EP de 1985 e o LP The Key, 1987, por exemplo, para citar situações futuras a este ponto da narrativa). Ele liderou a organização da coleta e pesquisou hotéis baratos nas imediações onde estávamos etc. Fui dormir extenuado pelo acúmulo de problemas iniciados, desde a catastrófica noite de sexta, e o show horrível na Tífon. Mas ainda aconteceria mais uma desgraça...

Continua...

Autobiografia na Música - A Chave do Sol - Capítulo 149 - Por Luiz Domingues



O telefonema atordoou-me : uma mudança repentina de planos da família do Zé Luiz, ocorrera, e agora, os seus familiares haviam resolvido passar o fim do feriado na casa de Itapecerica da Serra. O casal ali alojado precisava deixar a residência imediatamente, e arrumar onde ficar nos próximos dois dias. Alguma sugestão ? A única ideia que surgiu, foi a minha vaga lembrança de que o Hélio, aquele garoto que era aspirante a roadie d'A Chave do Sol, havia mencionado que sua casa estaria disponível, pois os seus pais e irmãs haviam viajado ao litoral, e ele estava sozinho no sobrado. A minha ligação com ele era tênue, pois o conhecera há pouco tempo, e a ligação, fora pelo fato de eu ter namorado muito rapidamente, uma de suas irmãs, chamada : Débora. 

Ele empolgou-se em ser o "meu cunhado" e mais que isso, embrenhar-se assim no mundo do Rock, que era o seu sonho. Até aí, tudo bem, dei-lhe essa oportunidade, mas o meu namoro com a irmã dele foi curto, não prosperou e portanto, eu não achava que tinha toda essa liberdade para pedir um favor desses, mesmo sendo um oferecimento que partira dele mesmo. Por outro lado, ele também havia estabelecido amizade com o Chico Dias, e estava solidário ao fato do gaúcho estar s sofrer para adaptar-se à pauliceia etc. Bem, incontinente, liguei para o Hélio e mesmo ao tirá-lo da cama, comuniquei-lhe os fatos e solicitei a casa oferecida, ao lembrar-lhe sobre a sua própria oferta espontânea, anteriormente estabelecida. 

Ele aceitou imediatamente ajudar o casal e mediante novos telefonemas, fizemos toda a logística de tirá-los de Itapecerica da Serra e realojá-los na Vila Industrial, um subdistrito do bairro do Tatuapé, bairro da zona leste de São Paulo. Para quem não conhece São Paulo, dou um exemplo metafórico : é como estar em Mercúrio, e querer ir à Saturno. Bem, cerca de três horas depois desses telefonemas todos, finalmente fui receber o casal na plataforma da estação Tatuapé do Metrô. Ali encontrei-me com o Hélio, que os levou para a sua casa, ao ter ainda que usar um ônibus, no terminal acoplado à estação. Estavam com semblantes a ostentar o cansaço acentuado e contrariados com tudo isso. Claro que posso imaginar o quanto isso estava a revelar-se desagradável para ambos, embora, por outro lado, nós estávamos a fazer o possível para ajudá-los nessa situação e convenhamos, não tínhamos culpa pela falta de uma estrutura com acomodação melhor...


Continua...