quarta-feira, 5 de março de 2014

Autobiografia na Música - Ciro Pessoa & Nu Descendo a Escada - Capítulo 2 - Por Luiz Domingues


Bem, como deixei claro no capítulo 1, o início dessa narrativa não diz respeito ao Ciro Pessoa, tampouco pelo seu trabalho e meu envolvimento com ele de uma forma direta, mas é imprescindível para uma perfeita compreensão posterior. Quando comecei a minha carreira na música, no ano de 1976, o mundo pelo qual encantara-me e motivara-me a fazer parte incisivamente, estava na verdade, por acabar. 

Toda a estética contracultural dos anos sessenta, estava diluída, e a sua continuação lógica, nos anos setenta, caminhava para um beco sem saída, infelizmente. Isso deu margem para que os aproveitadores e marqueteiros de plantão aplicassem um golpe. Foi para chocar e aproveitar esse momento de choque por um tempo curto, pois a proposta que tinham em mãos, era mais insossa do que qualquer exagero pelo qual acusavam o Rock setentista em ter cometido. Refiro-me à usurpação do conceito de "niilismo", para respaldar as suas ações torpes. "Destruir o velho, para reconstruir o novo", não é um conceito abominável em si, ao depender das circunstâncias. Mas o que essa gente pregara, foi muito diferente. Eu prossegui firme nos meus propósitos e sonhos, ao lutar para aprender a tocar um instrumento e fazer com que a minha banda iniciante, crescesse ao máximo que pudesse, sobre tais ditames. 

Em meus esforços adolescentes, o "Boca do Céu" seria a banda definitiva de minha vida. No calor da época e desses sonhos, todo o meu esforço fora concentrado no sentido em engrandecê-la, e dessa forma, a minha projeção foi de que a banda lograria êxito, ao crescer na mesma proporção de que todos os seus membros evoluíssem individualmente, como músicos. E nesse sentido, quando tomei conhecimento dos ventos tenebrosos que vinham de Londres, ao contrário de muita gente que encantou-se, e pôs-se a correr ao salão de barbearia da esquina, para entregar-se àquele baixo astral oposto, para tudo que amávamos, eu permaneci incólume a tal modismo tenebroso. 

Claro, a ideia em tocar mal, propositadamente; fazer músicas acintosamente grotescas e agressivas e sobretudo, seguir uma cartilha que mostrava-se um embuste planejado por um marqueteiro astuto, passou a causar-me estupefação, em detrimento de verificar por todos os lados, pessoas a encantar-se com essa mentira deslavada. Como assim deixar de gostar dos Beatles ? Como assim : "eu odeio Pink Floyd" ? Por quê o Rock Progressivo deveria ser execrado ? A ideia em raspar a cabeça e usar coturnos militares; alfinetes espetados e fazer uso de roupas escuras e /ou cinzentas; ser agressivo; exaltar a iconoclastia, enfim, tudo mostrava-se um ataque frontal e uma inacreditável demonstração de retrocesso, na minha ótica, mais a parecer uma reação fascistoide, anti contracultural, e perpetrada por sabotadores vis ! 

No meio dos anos setenta, eu tinha em minha ingenuidade infanto- juvenil acentuada, ou seja, mantinha a sonhadora ideia de que as conquistas comportamentais; estéticas e socioculturais dos anos sessenta, estavam sedimentadas, e o mundo do futuro seria a concretização desse sonho aquariano; fraternal, e plena de solidariedade; humanidade e beleza artística. Como poderia imaginar que uma tempestade negra; agressiva e opositora de tais ideais, estava a aproximar-se para destruir tudo ?

Ao sentir-me muito deslocado nessa nova ambientação, resignei-me em suportar os revés estéticos e comportamentais, com meus parcos recursos. E nem poderia ser de outra forma, pois eu nem possuía cacife para confrontar os artífices desse golpe. Meus esforços ainda eram para aprender a tocar, e buscar um lugar ao sol, no mercado musical, com todas as bandas e oportunidades que surgiram, dali em diante. Ao pensar nesses termos, "aprender a tocar" foi uma questão de honra, ao manter o meu compromisso com a estética onde tal princípio era bem valorizado. Se tivesse aderido à turma oposta, teria sido muito mais fácil ! Os adeptos da pseudo filosofia cujo lema foi : "faça você mesmo", valorizaram-se duplamente, a seguir.

Além de não precisar esforçar-se para aprender a tocar um instrumento musical, com o mínimo de dignidade, tal prerrogativa norteou a estética do final dos anos setenta, e sedimentou toda a estética oitentista. Desta forma, quanto pior o artista tocava e cantava, mais frisson causava... sob uma completa inversão de valores. Então, se "o lixo virou luxo" e consequentemente, o "luxo tornou-se lixo", sujeitos como eu, que não aderiram à essa estética e prosseguiram fiéis ao paradigma anterior, marginalizaram-se. Tocar mal passou a ser "cool" e tocar bem, "démodé". 

O movimento Hippie passou a ser ridicularizado em todos os níveis, e todos os artistas dessa Era, passaram a ser tratados de uma forma completamente desdenhosa e claro, muito injusta. Ao sentir na pele tais manifestações, passei a criar um asco dessa estética oposta, não por ela em si, mas pela maneira xiita com a qual seus seguidores a enalteciam, e principalmente como eram vilipendiadores da estética anterior, aquariana. Infelizmente, muita gente boa embarcou nessa nova ordem. E demorou para eu começar a separar o joio do trigo, e perceber que muitos não estavam ali a enxergar todo esse estrago inerente. Pelo contrário, tem gente que até hoje não percebe o antagonismo que existe nesse momento da história do Rock. Portanto, já na primeira metade dos anos oitenta, fiz inúmeros esforços para compreender tal elemento opositor. Queria ter a visão deles para enfim fechar um julgamento justo sobre o tema, inclusive ao interagir diretamente com alguns de seus mais entusiasmados defensores...



Continua...

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