quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Autobiografia na Música - Terra no Asfalto - Capítulo 65 - Por Luiz Domingues

Fernando Guimarães Vasconcellos, ou simplesmente, "Mu": 

Eu tinha uma versão um pouco distorcida sobre a morte do Fernando "Mu". O Rolando Castello Júnior, baterista da Patrulha do Espaço, havia relatado-me que o Fernando "Mu" fora assassinado no Largo 13 de Maio, centro do bairro de Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, por um traficante de drogas. Foi quase isso na verdade. Segundo apurei com o Aru Junior, em visita à sua residência (2 de maio de 2012), o Fernando "Mu" foi mesmo assassinado, mas em uma padaria próxima à estátua do Borba Gato, na Av. Santo Amaro, e alguns quarteirões distante do Largo 13 de maio. Foi de fato um traficante de drogas a cobrar um acerto de contas, mas o devedor da conta não fora o Fernando "Mu!"

Rara foto do Fernando Guimarães Vasconcellos, o popular: "Mu" a tocar violino no encarte do disco da "Bandazul", lançado nos anos oitenta. Acervo e cortesia: Edmundo Gusso

O sujeito que estava a ser perseguido por bandidos, estava a tomar cerveja com o Fernando "Mu", em uma determinada madrugada de domingo para segunda. Um carro com quatro bandidos chegou, abordou o sujeito, e o Fernando "Mu", de forma imprudente, tentou amenizar a situação dramática do seu amigo. Dessa forma, o rapaz escapuliu ao aproveitar a confusão gerada, mas os bandidos não tiveram compaixão, e assassinam o Fernando "Mu", de uma forma fria, e muito cruel. Segundo o Aru Junior, foram três tiros à queima roupa, disparados diretamente à sua cabeça. E o Aru chegou a ser avisado a tempo, para comparecer ao velório. Isso ocorreu em 1997, e não em 1995, como eu supunha anteriormente.

O Fernando "Mu" saiu do Terra no Asfalto em 1980, com uma grande oportunidade, mas infelizmente não a aproveitou. Por não firmar-se na peça teatral, "Calabar", perdeu oportunidades de ouro para infiltrar-se no mundo da MPB mainstream.

Elenco e músicos da peça "Calabar". O Fernando "Mu" é o último em pé, na fileira mais alta, da esquerda para a direita


Nos primórdios d'A Chave do Sol, chegou a aparecer uma tarde no Bar Deixa Falar, em 1982, e presenciou um ensaio nosso, rapidamente. Lembro-me em vê-lo a atuar em uma banda de Rock Progressivo, de grande categoria (com o tecladista / guitarrista, Fernando Costa na formação), ao apresentar-se no programa "A Fábrica do Som", da TV Cultura de São Paulo, em 1984. Soube, anos depois, pelo amigo em comum, Edmundo Gusso, que ele gravara um álbum com a "bandazul" entre 1986 e 1987.

Mas infelizmente foi o som errado, para a época errada. Depois disso, só fui saber mesmo de seu falecimento por motivo violento, muitos anos depois. O "Mu" chamava-se Fernando Guimarães Vasconcellos, mas ninguém que o conhecia o chamava assim. E no curtíssimo tempo em que foi membro do Terra no Asfalto, entrou a impor-se. Tinha uma postura altiva, era temperamental, mas eu sentia que por baixo dessa casca forjada para parecer um "outsider " durão, havia um senso de humanidade.

Como músico, ele foi excepcional. Um dos melhores com quem já toquei, apesar de tão pouco tempo em que trabalhamos juntos. Sua segurança era enorme. Seus solos eram infernais; sua interpretação como cantor era intensa, e sua postura de palco fora a de um grande artista. Infelizmente, ele não teve a oportunidade para ser reconhecido como o grande artista que o foi, e sua carreira foi calcada na absoluta obscuridade do mundo underground, de onde jamais conseguiu libertar-se. Eu sinto muito que um talento desses tenha ficado circunscrito à última divisão da música, a tocar para poucos que nem percebiam o seu talento. E outra fator que eu admirava nele, foi o elán Rocker. Ele tinha o Rock nos olhos, como uma marca de nascença que poucos possuem. Que esteja bem acompanhado, na presença de Hendrix, "lá do outro lado"... 

Luis "Bola":

O Luis Bola foi baterista duas vezes do Terra no Asfalto, mas na realidade, ele tocou muito pouco. Deu azar por entrar em momentos de baixa, com uma agenda pequena, ou em fase de reformulação da banda. Era um rapaz determinado e com um bom astral. Bom baterista, camarada e com disposição para trabalhar. Ajudou-me ao arrumar-me trabalhos avulsos (relatado amplamente no capítulo"Trabalhos Avulsos"). 

Passei muitas horas prazerosas em sua casa, a ouvir os discos de sua coleção gigantesca de vinis. Era louco pelo Frank Zappa, e foi nessa fase onde eu também culminei em mais escutar a obra do mestre, Zappa. Depois do Terra no Asfalto, vi o Luis Bola, em 1984, ao levar a esposa para uma consulta pré-natal. 

Não me recordo se foi a primeira ou segunda filha do casal, que estava a chegar. Só lembro-me que foi repentino e muito rápido, pois fora um dia chuvoso, e ele se limitou a cumprimentar-me, pois estava preocupado em amparar a esposa grávida, e em meio à chuva. E foi a última vez que o vi, ou tive alguma notícia sua.

Edson "Kiko":

O Edson foi um músico que eu indiquei em um momento onde o Cido Trindade deixou-nos, subitamente. Admiro muito a sua boa vontade em esforçar-se para dominar um universo musical do qual não fazia parte, pois ele não acompanhava o Rock, e gostava mesmo era de música étnica, jazz etc. Foi muito generoso, ao ceder-nos a sua residência no bairro do Pacaembu, zona oeste de São Paulo, para ensaios super confortáveis. O quarto de ensaios era imenso, e mesmo na ausência de vedação, tocávamos sossegados, sem problemas com a vizinhança. 

Era um bom músico, e só ficava um pouco deslocado em nosso contexto mais centrado no Rock, mas deu conta do recado. A saída dele foi lamentável, ainda que a obedecer uma resolução que privilegiara em tese, o melhor para a banda naquele instante. Fiquei bem constrangido, por sentir-me maculado, eticamente a falar. Já pedi as minhas desculpas neste capítulo, e reitero-as aqui. 

Soube de uma notícia dele, no meio dos anos oitenta, ao dar conta de que estava a apresentar-se com uma banda orientada pelo som "World Music", com tendências africanas. Fiquei contente em saber disso, pois fora o seu desejo artístico. E isso foi a última coisa que eu soube dele.

Continua...

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