domingo, 6 de outubro de 2013

Autobiografia na Música - Língua de Trapo - Capítulo 71 - Por Luiz Domingues



O próximo passo, seria participar de um festival com grande porte. Estávamos escalados para tocar no badalado, "IV Festival de Águas Claras", um enorme evento à época, junto com nomes famosos da MPB e do Rock.

O Festival de Águas Claras fora uma espécie de reencarnação do lendário, Festival de Iacanga, realizado em 1975, e que chegou a reunir quinze mil pessoas sob um clima "Woodstockeano" total, e desta feita, somente com a participação de bandas de Rock, em sua programação. No caso de Águas Claras, a verdade é que ele houvera sofisticado-se em relação aos improvisos de Iacanga, nos anos setenta. Já nos anos 1980, as versões I, II e III, tiveram mais essa faceta da MPB em sua programação, e melhorias na infraestrutura, equipamento, e no caso da edição de 1981, até contara com transmissão televisiva ao vivo. 
Nesse que participaríamos, lembro-me que fomos assinar o contrato, acompanhados de nosso empresário, Jerome Vonk, no escritório montado pela produção, dentro dos estúdios de ensaio da banda, Placa Luminosa, em um casarão localizado na Av. Rebouças, na zona oeste de São Paulo. Seria uma temeridade, contudo, a data marcada para o evento. A iniciar-se no sábado de Carnaval de 1984.
A justificativa do produtor, um rapaz conhecido como : "Leivinha" (nada a ver com o jogador de futebol), seria que o público iria em peso pelo elenco de renome, e certamente seria um público avesso ao evento do carnaval. Será ? Estávamos escalados para o sábado, e lembro-me bem, que na noite de sexta-feira, tive a oportunidade de visitar o meu amigo, o poeta, Julio Revoredo, e em meio a uma caminhada que realizamos pelas ruas do Brooklin (zona sul de São Paulo), conversamos sobre o festival, e ele mostrara-se estupefato pelo evento ter sido marcado em pleno carnaval, ao temer, assim, por um fracasso de público. De fato, fora um risco muito grande que o produtor, Leivinha, estava a correr. 
E lá fomos nós, em um ônibus da produção do festival, que partiu da sede do conjunto musical, Placa Luminosa, na manhã desse sábado de carnaval, 3 de março de 1984. O festival realizar-se-ia nessa localidade de Iacanga, dentro de uma fazenda. Ficava próximo à cidade de Bauru / SP, cerca de trezentos Km de São Paulo. Ficaríamos hospedados em um bom hotel em Bauru, que é uma excelente cidade, com infraestrutura, bons restaurantes e a produção levou-nos após o almoço, até o local do show, que ficava cerca de trinta Km de Bauru, aproximadamente. No dia em que estivemos programados para atuar, estavam escalados também o Gota Suspensa; Raul Seixas; Hermeto Paschoal e João Gilberto.
O Gota Suspensa fora uma banda de Rock bem oitentista, com os rapazes muito bem produzidos e equipados. Eram rapazes de origem francesa, naturalmente egressos de famílias abonadas. Seria o primeiro show da nova vocalista, uma menina também com origem francófana e esguia, jovem e muito bonita, chamada : Virginie. O fato, foi que o Gota Suspensa estava a mudar de nome e denominar-se-ia doravante : "Metrô", já com contrato assinado em gravadora grande,  e assim a ter assegurado um esquema com empresário, bem alinhavado. De fato, alguns meses depois, o Hit " Beat acelerado" explodiria nas FM's e o Metrô estouraria no BR-Rock 80's, a aparecer na mídia mainstream, com contundência. O bonito nessa história, foi que eu conhecia o baterista da banda, Daniel, pois ele era amigo do fotógrafo, Carlos Muniz Ventura, nosso amigo desde o início d'A Chave do Sol.

Quando avistou-me nos bastidores, o Daniel veio eufórico a cumprimentar-me. Foi extremamente gentil e humilde, sem afetações, algo raro para quem estava a adentrar um esquema mainstream, e principalmente por estar em uma banda orientada para agradar o público formado por dândis oitentistas. Por outro lado, talvez muitas pessoas surpreendam-se, mas o Gota Suspensa já existia desde 1979, e pasmem, fora uma banda orientada pelo Rock Progressivo setentista, em sua origem ! Os rapazes cultuavam Yes; ELP; Genesis; King Crimson, e até o Rush... Com o desenvolver dos anos oitenta, adequaram-se aos ventos modernos e completamente antagônicos, e já haviam mudado radicalmente o som e o visual, ao modernizar-se para seguir os passos do Talking Heads; Blondie; The Carrs; B52's etc. E nesse instante, radicalizariam ainda mais, ao partir para o Pop oitentista e robótico do Eurythmics, misturado ao som do Culture Club; Depeche Mode; A Flock of Seagulls; Tears for Fears; Style Council e tantos outros exemplos dessa vertente formada por dândis do pós-New Wave. 
Em particular, o Daniel em tom de lamento sobre a mudança da sonoridade e visual, mas eu o incentivei a resignar-se, e encarar o lado bom desse sacrifício, pois entrariam em um esquema de trabalho muito forte, com exposição na mídia; sucesso; agenda cheia, e consequentemente, muito dinheiro. Eu encontraria o Daniel, ainda em 1984, nos bastidores de um show no Circo Voador, no Rio de Janeiro, e no capítulo da Chave do Sol, conto esse história que também é muito boa. Assisti o show do Gota, na coxia improvisada do palco. Realmente o repertório não agradava-me nem um pouco, com aquela estética oitentista. Para piorar, os rapazes exibiam coreografias ensaiadas, e em vários momentos pareciam "replicantes" do Blade Runner, o grito da época...
Certamente espelhavam-se nas performances do Kraftwerk e artistas que os seguiram. Eu entendia a angústia do Daniel com aquela estética toda, sendo que internamente gostava mesmo, do Yes... Mas por outro lado, estava feliz, pois era um rapaz que eu conhecia, a participar de um esquema forte no patamar do mainstream, o que convenhamos, fora uma oportunidade rara. A seguir, subiria ao palco, o Língua de Trapo...
Continua...  
     

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