quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Autobiografia na Música - Boca do Céu / Bourréebach - Capítulo 49 - Por Luiz Domingues


Os responsáveis pelo equipamento, chegaram sem nenhuma pressa, a descarregar o caminhão, e montá-lo no palco, como se fossem oito horas da manhã, em uma demonstração de descaso, abominável. Claro, um funcionário do colégio veio advertir-nos que estava "cancelado" o soundcheck, e que deveríamos tocar sem preparar o som, assim que recebêssemos a ordem. Nesta altura, os participantes do bingo já lotavam o pátio e o som dos alto-falantes do colégio, tocava de Roberto Carlos a Sidney Magal, a todo o vapor.

Quando os responsáveis pelo equipamento locado, sinalizaram que estava tudo ligado, recebemos a ordem para começar, e aí o óbvio consumou-se : uma maçaroca sonora horrível, com um show de microfonias e embolações provocadas por uma frequência grave e tenebrosa. Claro que estava tudo horrível, e que a monitoração estava ridícula. Lamentamos muito o ocorrido, pois estávamos preparados para fazer uma boa apresentação, mas saímos do palco com uma sensação de frustração total. O Cido havia levado dois amigos de última hora para tocar percussão, conosco. Era na verdade uma forçação da parte dele, desnecessária, e que em nada acrescentaria ao som da banda, mas... estávamos ainda nos anos setenta, e loucuras assim eram consideradas normais, e de certa forma, tinham um certo élan...
Antes do bingo começar, tocou-se o Hino Nacional, mas era previsível, pois estávamos em plena ditadura, e ali era um colégio católico. Os amigos freaks do Cido eram : Marcão e "Cabelo". Tocaram caxixis; cowbell, e uma pandeirola. Realmente não acrescentaram nada com sua percussão inútil, jogada a esmo.

           O saudoso psiquiatra / pensador, José Angelo Gaiarsa 

Esse "Cabelo", era um freak que morava no bairro vizinho ao meu e de Cido, o Belém, na zona leste de São Paulo, e nessa mesma época envolvera-se com uma trupe de Teatro, e estes foram parar em um exótico programa da TV Bandeirantes, protagonizado pelo psiquiatra, José Angelo Gaiarsa. Segundo soube, essa turma “turbinava a cabeça” nos bastidores, pouco antes de entrar no estúdio, e aí a sessão psicanalítica conduzida pelo Doutor Gaiarsa, tornava-se uma verdadeira farsa, baseada em um festival de besteiras ditas por aqueles hippies cabeludos, e com os olhos vermelhos... quanto ao tal Marcão, eu não o conhecia, de fato, só de vista, mesmo. 


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Autobiografia na Música - Boca do Céu / Bourréebach - Capítulo 48 - Por Luiz Domingues


Esse show foi providenciado pelo Laert, que encaixou a banda para tocar durante um bingo, a ser realizado no pátio do colégio onde ele estudava à época, o Colégio Claretiano, instituição gerida por padres católicos, localizado no bairro de Santa Cecília, próximo ao centro de São Paulo. Claro que animamo-nos, e passamos a ensaiar com afinco, diante dessa perspectiva. O baterista, Cido Trindade, aceitou o nosso convite, e assim passou a ensaiar conosco, regularmente. Nessa nova fase, voltamos a ensaiar na minha casa, mas desta vez a tomar o cuidado de não fazer do ensaio, um ponto de reuniões freaks, como acontecera em 1977. O Laert havia fechado com a ideia em tocar teclados o tempo todo, mas sem instrumento, limitava-se a participar a cantar nos ensaios e estudava piano isoladamente, ao preparar-se individualmente. Era o que tínhamos...


Ele estudava piano na casa de meus tios, próximo à minha casa (aliás, um gentil oferecimento de meus tios e incentivado pelos meus primos, Marco Antonio; José Rubens; Mara e Alcione Turci, que haviam simpatizado com ele, indo além do fato de apoiarem-me simplesmente, como primo), e também em uma loja da Yamaha em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, onde usava um órgão, para adaptar-se. Claro que isso não foi o ideal. O sonho dele era ter um órgão Hammond, com caixa Leslie, próprio, mais um Fender Rhodes (piano elétrico). Mas a realidade era outra, infelizmente.
O Cido Trindade tinha um nível técnico infinitamente superior ao do Fran Sérpico, que nunca ultrapassara a barreira do iniciante primordial. Com o Cido na banda, o som cresceu, claro, e ele também reconheceu que nós havíamos melhorado.
Dessa forma, preparamo-nos até a data marcada : 17 de junho de 1978, um sábado gelado, de fim de outono. Fomos para o show bem ensaiados e confiantes. O Laert novamente desembolsou um bom dinheiro, e dessa maneira, alugou um órgão Yamaha, mais uma vez e o acordo com o colégio Claretiano, previa que eles providenciassem um P.A. e dois amplificadores, para prover a guitarra e o baixo.
Chegamos ao colégio no horário marcado, mas o amadorismo foi total, pois o equipamento previsto, simplesmente não estava lá, no horário combinado. As horas passavam e só víamos funcionários do colégio a arrumar as mesas para o bingo, fazer ações de faxina e preparar o globo das bolinhas. O equipamento havia sido alugado de uma banda de bailes, e chegou somente, ó às nove da noite.

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Autobiografia na Música - Boca do Céu / Bourrèebach - Capítulo 47 - Por Luiz Domingues


Por outro lado, se o panorama da banda marcava-se pelas incertezas, uma questão muito significativa nesse início de 1978, foi que eu havia notado ter deixado para trás o espectro incômodo de ser um iniciante, incrivelmente limitado. Eu havia enfim rompido essa barreira terrível de um reles iniciante e sentia-me muito mais seguro como baixista. Nessa altura, já havia tirado diversas músicas de discos que apreciava. Já tocava em cima de discos do “Led Zeppelin”; “Deep Purple”; “Focus”; “Allman Brothers”, e diversas outras bandas, o que realmente configurava que havia melhorado muito. E posso afirmar o mesmo do Osvaldo Vicino. Ele que no início era o melhor e mais experiente músico da banda, também mostrava evolução, mas por outro lado, sutilmente estava a começa demonstrar, também, sinais de afastamento (um triste paradoxo...), conforme relatarei logo mais.


A aproveitar essa reformulação na banda, estávamos a preparar novas músicas, e sabíamos que se aparecesse uma oportunidade para tocar ao vivo, poderíamos contar com o baterista, Cido Trindade, meu amigo de bairro. Ele havia colocado-se à disposição, pois tinha notado que evoluíramos e estávamos em um estágio mais compatível com o dele, que era mais experiente àquela altura. E resolvemos dar uma cartada diferente para o futuro da banda. Por sugestão do Laert, passamos a procurar por vocalistas femininas. A ideia seria o Laert assumir mais os teclados, cantar menos músicas e deixar uma mulher como principal vocalista e consequentemente, “frontwoman”. Essa era uma obsessão do Laert que era (é) apaixonado pela Janis Joplin. Então, colocamos anúncios em revistas da época ("Rock, a História e a Glória"; "Pop", e "Música"), e começamos a receber cartas da parte de candidatas.

O Laert também fez um cartaz com seus traços inspirados em cartoon, característico, e espalhou-os em alguns pontos interessantes, como alguns cafés “transados” (gíria da época...), certos murais da USP etc. 
E aí, surgiu uma oportunidade para um show, que foi marcado para junho de 1978. Mesmo indefinidos em relação a uma garota para entrar na banda, aceitamos o desafio e convocamos o Cido Trindade, para tocar conosco.


 Continua...

Autobiografia na Música - Boca do Céu / Bourréebach - Capítulo 46 - Por Luiz Domingues


Não deu outra... poucos dias após o show, "Fran's Birthday II", o Wilton Rentero procurou-nos, e comunicou sua decisão em sair da banda. Sua justificativa foi a de que seu caminho seria o do violão clássico, e que havia tomado a decisão de estudar com afinco, dali em diante.
Ficamos muito chateados, pois ele era o melhor músico da banda, e sua presença encorpava o nosso som. Mas fazer o quê ?
Não podíamos contra-argumentar, pois não tínhamos nenhum poder de barganha. Não havia perspectivas melhores do que festivais colegiais, e shows de pequeno porte. E nossa melhora técnica era lenta. Então, voltamos a ser um quarteto, e assim resolvemos aproveitar a deixa e dar um ultimato ao baterista, Fran Sérpico : que ele entrasse em uma escola de música e começasse e estudar, ou teria que sair da banda, pois estávamos cansados em vê-lo sem evolução visível, a ficar atrás dos demais, e certamente a prejudicar a evolução da banda. Ele sentiu-se pressionado, certamente e alguns dias depois, fez a sua escolha, ao deixar a banda e justificar a sua decisão em torno do fato por estar sem tempo para estudar o instrumento, devido aos estudos formais, e que realmente estava determinado a entrar em uma faculdade e estudar com afinco. Bem, situação chata, mas foi melhor para ambos, Fran e banda, certamente, pois a despeito dele ser muito bom como pessoa, chegáramos em um ponto crucial onde havia a necessidade de tomar-se resoluções de vida, cada um ali envolvido e não dava para levar mais a banda como uma atividade secundária / recreativa, doravante. Reduzidos a um trio, combinamos continuar firmes no propósito, eu; Osvaldo Vicino e Laert Júlio, futuro “Sarrumor”... o Osvaldo aproveitou para reafirmar que não gostaria de ter um segundo guitarrista na banda e que desejava ser o "lead guitar", como nos primórdios. Então, com o Laert determinado a assumir-se como tecladista, achávamos que estaríamos supridos harmonicamente, portanto, a nossa decisão naquele momento, de fevereiro de 1978, foi a de encontrar um novo baterista, e tocar a vida para frente.
Começamos a procurar então, e ao mesmo tempo, mantínhamos ensaios improvisados entre os três, e atentos às oportunidades para inscrever a banda em festivais. E assim foi nos meses de março; abril, e maio de 1978. Uma luz no final do túnel, só apareceu em junho. 



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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Autobiografia na Música - Boca do Céu / Bourréebach - Capítulo 45 - Por Luiz Domingues



De volta desses dias no litoral, concentramo-nos nos ensaios. Queríamos causar uma impressão melhor, também no equipamento, e dessa forma, saímos à cata de aparelhagem emprestada.

O Laert ousou, e do próprio bolso, alugou um órgão. A ideia seria alugar um órgão Hammond, devidamente munido de uma caixa Leslie, mas diante do exorbitante valor cobrado, foi com "Gambit" mesmo, um órgão limitado, para uso doméstico e amador, geralmente visto em igrejas evangélicas. Preocupante foi o sumiço do Wilton, que não compareceu aos ensaios, e deixou-nos bastante apreensivos. Quando chegou o grande dia, ficamos bem chateados, pois ele realmente não compareceu. Uma perda irreparável, mas convenhamos, éramos todos muito jovens, e o grau de comprometimento variava conforme a vontade e expectativa de cada um, naturalmente. O show aconteceu no dia 11 de fevereiro de 1978, no mesmo local do espetáculo realizado no ano anterior, e foi marcado por contrastes. O primeiro ponto, foi a questão da ascensão nossa como conjunto e individualmente. Todos haviam evoluído em um ano, com exceção do Fran Sérpico, que relutava para fazer aulas, e pouco avançara, como baterista. O segundo ponto foi a óbvia melhoria na qualidade das músicas novas, que naturalmente acompanhavam a evolução técnica da maioria. E o terceiro e muito negativo, foi a falta do Wilton nessa apresentação, pela questão da sua ausência injustificada e pelo desfalque, pois com ele na banda, o som encorpava e sem a sua participação, apesar da evolução do Osvaldo, e a minha, fora o Laert a tocar teclados, esvaziava-se.

O show foi encurtado, pois ao tocarmos ao ar livre, fomos atrapalhados por uma chuva súbita de verão. Dessa maneira, eis que foi providencial, pois estávamos chateados a tocar sem o Wilton, mais pela sua falta injustificável, que desapontou-nos. Com tempo chuvoso, a festa também ficou aquém do ano interior, pois apenas vinte e cinco convidados compareceram. Lamento muito não haver filmagem, tampouco fotos.  O Laert lastimou demais ter que devolver o órgão, e a pagar o aluguel e o transporte, tendo tocado pouquíssimas músicas, devido à chuva. Foi um prenúncio sombrio dos tempos difíceis que a banda enfrentaria em 1978...



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Autobiografia na Música - Boca do Céu / Bourréebach - Capítulo 44 - Por Luiz Domingues

                                  Fran Sérpico, em foto bem mais atual  

A primeira determinação adotada, nessa reformulação da banda, foi a de marcarmos uma nova apresentação, na data de aniversário do baterista, Fran Sérpico, que também marcaria um ano da nossa primeira apresentação. Foi uma questão de honra para nós, que essa nova apresentação denotasse uma "tour de force", para demonstrar à todos, e principalmente a nós mesmos, que nesses doze meses, havíamos evoluído, em todos os sentidos. Portanto, com esse objetivo em vista, tínhamos um novo aditivo, uma nova motivação. Nesse ínterim, uma nova viagem recreativa para a cidade litorânea de Itanhaém foi marcada, onde ensaiaríamos (acusticamente, claro), e teríamos tempo para conversar bastante sobre esse show.

Batizamos essa nova viagem como, "Itanhaém II", e desta feita, a banda inteira participou, além do Sidnei Miranda, o primo freak, e mais velho do Wilton, um rapaz cheio de histórias boas para contar dos anos 1960, e um convidado de última hora, o argentino chamado, Ribarique, que dizia-se "Bluesman". Dessa viagem, lembro-me em de ouvir à exaustão, o LP "News of the World", do Queen, que tinha acabado de sair no Brasil, e o Osvaldo Vicino tratou de gravá-lo, e levar a fita K7 para a praia.


Lembro-me também de uma caminhada monstruosa que fizemos, quando de praia em praia, fomos parar quase na cidade vizinha... garotos malucos... 

De volta a São Paulo, reafirmamos os esforços para o grande show, que batizamos como : "Fran's Birthday II". O repertório nessa nova fase da banda, foi composto pelas seguintes músicas :


1) O Mundo de Hoje (Laert / Osvaldo / Luiz)

2) Diva (Laert)

3) Serena (Osvaldo / Laert)

4) Blues Sem Nome (Wilton)

5) 1967 ( Laert / Luiz)

6) O Que Resta é a Canção (Osvaldo)

7) Momento (Laert / Fran )

8) Ah, Se Você Soubesse... (Laert)

9) Consenso Geral (Laert)

10) Revirada (Wilton / Laert)

11) Mina de Escola (Osvaldo / Laert / Luiz)

12) Centro de Loucos ( Laert / Osvaldo)



Combinamos tocar, "A Day in the Life", dos Beatles, obviamente sob um arranjo rústico, sem nem um por cento da sofisticação dos Beatles. E assim foi janeiro de 1978...





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Autobiografia na Música - Boca do Céu / Bourréebach - Capítulo 43 - Por Luiz Domingues


E ao visar promover uma sacudida no grupo, o Laert propôs uma mudança de nome para a banda, ao buscar-se assim, dar um verniz mais artístico, e condizente ao que pretendíamos. Uma lista foi elaborada e diante de várias opções, surgiu a ideia de "Bourréebach". Tratou-se de uma junção das palavras, Bourrée (nossa influência nesse caso, foi a música gravada pelo Jethro Tull, no LP "Stand up", baseada na peça de Bach), e do nome do próprio compositor germânico Johann Sebastian Bach. 
O neologismo pareceu-nos bonito, mas na verdade era pomposo e pretensioso demais para uma banda formada por adolescentes que evoluíam lentamente, e portanto, ao adotar um nome desses, dava-se a impressão de que éramos músicos de alto nível a empreender Rock Progressivo com desenvoltura, e certamente com formação erudita sólida. Uma coisa é certa : entre a presunção de um nome pomposo, e um nome tolo como, "Boca do Céu", hoje em dia acho que sob esse aspecto, acertamos na decisão adotada. Uma pena que o Bourréebach teve menos chances doravante, e seu início propiciou a etapa final da banda, rumo à sua extinção. Na verdade, a banda passara por um lento processo de apuração, ao ver-se afunilada em um ponto onde, quem realmente estava determinado a seguir na música, assim o fez, ao tomar-se direções diferentes, após o seu gradual desmanche. É bem verdade, o nome, "Boca do Céu" hoje em dia tomaria outra conotação inimaginável em 1977: "Céu" poderia ser uma dessa escolas de periferia batizadas com esse nome (“CEU", como sigla e sem acento, logicamente), e "Boca", obviamente relacionada ao tráfico de drogas... portanto, hoje (2016), caberia bem em um "Bonde de Funk"...

Tomamos a decisão em assumir o novo nome, na virada do ano e assim, em 1° de janeiro de 1978, surgiu o Bourréebach !!


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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Autobiografia na Música - Terra no Asfalto - Capítulo 16 - Por Luiz Domingues

A próxima apresentação foi no bar Casablanca, que ficava localizado na Av. Vereador José Diniz, no bairro do Campo Belo, zona sul de São Paulo. Ele era bem badalado nessa época e costumava lotar suas dependências com uma frequência formada por jovens burgueses; playboys e Patricinhas em geral. Não era fácil arrumar uma data nessa casa, pois ela era muito cobiçada entre as bandas cover da época, mas o Terra no Asfalto conseguiu uma apresentação, para o dia 27 de fevereiro de 1980. Um pouco antes da apresentação começar, Fernando Mu, Gereba e Paulo Eugênio foram à rua para consumir uma certa substância ilícita. Eu e Cido ficamos no bar a esperar, com o equipamento montado e o som passado, previamente. A casa pôs-se a foi encher e os rapazes a demorar...

A casa estava lotada, quando o gerente começou a incomodar-nos, por pressionar-nos a iniciar, imediatamente. O tom de sua voz esquentou, e o gerente passou a proferir ameaças a dar conta de que nunca mais tocaríamos lá etc. Então, o Cido Trindade foi procurá-los na rua. Não os achou, e nós não sabíamos mais o que dizer para o estressado gerente (mas ele tinha razão, infelizmente). Então, com a casa abarrotada, onde mal poder-se-ia andar, eis que aparecem os nossos colegas, e acompanhados de um policial militar ! Eu e Cido pensamos : foram presos, e só vieram avisar-nos para desmontar o equipamento...

Mas aí, percebemos que o PM que entrara com eles, estava sorridente, pois tirou o boné; abriu a camisa; colocou a calça por cima do coturno, a parecer querer disfarçar-se, ao eliminar os sinais de sua farda. Sentou-se em uma mesa, e aproveitou bem o show, a noite inteira, pois bebeu; dançou; ficou bêbado; flertou com várias garotas, e no auge da farra, chegou a amarrar uma bandana na testa, ao usá-la  com uma gravata improvisada...

Fora o dia do seu aniversário, e o Mu chegou a anunciar isso no microfone, ao tocar, "parabéns para você", em sua homenagem, na guitarra. Só depois da noite encerrar-se, lá pelas 3:00 horas da manhã, soubemos o que significou aquilo. Realmente, os rapazes estavam na rua a usar o material ilícito, quando foram surpreendidos por uma viatura da polícia militar. Foram presos em flagrante, mas para a sua sorte, os quatro PM's daquela "Veraneio", eram simpatizantes do material, também. Após a abordagem padrão, o sargento relaxou o flagrante, vendo que os músicos eram apenas usuários...


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Autobiografia na Música - Terra no Asfalto - Capítulo 15 - Por Luiz Domingues

E assim, no dia 23 de fevereiro de 1980, refeitos da frustrante e claustrofóbica viagem ao litoral, fomos tocar novamente no bar, Lei Seca. Desta vez, o público presente foi muito bom, com cerca de trezentas pessoas a abarrotar as dependências da casa. Mas houve uma explicação : tratava-se de uma festa fechada. A surpresa agradável que tivemos foi esse bom cachet, além de um público animado. E as curiosas, foram motivadas por duas personalidades improváveis que ali estavam, e que evidentemente jamais imaginaríamos ver : o ator Global, Mário Gomes, e o compositor / cantor e violonista, Luis Carlos Sá, da dupla Sá e Guarabyra.
O Mario Gomes estava acompanhado de uma mulher espetacular. A trajar smoking em um bar informal, causara espécie também por esse aspecto. Os maldosos rumores que quase destruíram a sua carreira, eram ainda recentes no início de 1980, portanto, sua presença ali chamava a atenção também por esse aspecto, quando ouviam-se cochichos motivados por piadas maledicentes sobre o episódio ocorrido entre 1977 e 1978, mais ou menos. Alheio à esses comentários fortuitos, ele dançou a noite inteira com a mulher linda que o acompanhava, ao desferir um autêntico tapa de luva de pelica, nos seus detratores...

E o Luis Carlos Sá, como músico, ficou a assistir-nos tocar, aplaudiu bastante e cumprimentou o Mu, a elogiar sua performance em particular. Sim, vivíamos um ótimo momento de expansão naquele começo de 1980, a alavancar a nossa agenda. Mas logo teríamos revés, que mudaria o panorama. E quanto ao Luis Carlos Sá, ele realmente apreciou por um bom tempo a nossa performance. Reação típica de músico que ouve música de uma forma diferente das pessoas que não ligam-se em pormenores, e a seguir, foi aproveitar a festa, pois a casa estava lotada, repleta por mulheres bonitas etc. A próxima etapa, foi cumprida em uma outra casa badalada da época, chamada, "Casablanca", que ficava no Campo Belo, zona sul de São Paulo, bairro vizinho ao Brooklin. Nessa casa, tocaríamos pela primeira vez com o Terra no Asfalto, mas na verdade, tocaríamos outras vezes com a segunda formação da banda, que iniciar-se-ia em dezembro de 1980, e teria maior longevidade. Um fato extraordinário aconteceu nessa noite. O que tinha tudo para ser um desastre para o Terra no Asfalto, mas culminou em transformar-se em uma das mais hilárias histórias dessa banda. Conto tal história curiosa, no próximo capítulo.

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Autobiografia na Música - Terra no Asfalto - Capítulo 14 - Por Luiz Domingues

 
O Fernando "Mu" pediu à Virgínia, para que ela escondesser o material na sua calcinha, e se algum policial a tocasse, que ela fizesse um escândalo, a exigir uma policial feminina, e na confusão, se aparecesse uma policial, desse um jeito de jogar o pacote no barranco. Por sorte, não havia policiais femininas, mas mesmo assim, a blitz foi tensa, com os policiais a imprimir aquele terrorismo típico por uns quarenta minutos. Sem meios de incriminar-nos em nada, fomos liberados, mas com os policiais ainda a fazer ameaças, ao anotar a placa da Brasília preta de Paulo Eugênio, e dizer-nos que seríamos vigiados dali até São Paulo etc.
Eu usava cabelos compridos desde 1971. Entre 1971 e 1974, eram comedidos, pouco abaixo do pescoço, mais a seguir a moda que espalhara-se pela sociedade em geral (até o Cid Moreira foi "cabeludo", a narrar o "Jornal Nacional"...), mas de 1975 para frente, já com 15 anos de idade, virei Hippie de vez, e aí o cabelo comprido tornou-se mais que uma opção estética, mas um símbolo a representar toda uma gama de ideais da contracultura. Em 1978, o Cido Trindade tinha cortado o cabelo curto, radicalmente. O Paulo Eugênio e o Gereba não embarcavam nessa, e tinham visual de playboys, com cabelos bem cortados, além de usar roupas de grife etc.

Mais pareciam frequentadores de clubes de discothéque, e o Fernando "Mu", havia recentemente cortado a sua longa cabeleira também, após mais de dez anos de resistência em prol dos ideais.
E o Wilson também seguia essa linha de rapaz bem comportado, com cabelos curtos e no uso de trajes tradicionais. Eu lembro-me bem que de todos os Freaks que eu conhecia no meu bairro, desde 1977, ali no ano de 1980, eu era o único ainda cabeludo, e ganhei nessa época o apelido de, "O último dos Moicanos", por não aderir à essa tendência em romper com os ideais contraculturais cultivados nas décadas de 1960 e 1970, ou seja, emblemática ao extremo, tal situação fora mais um inequívoco sinal dos tempos, e que só avançou no decorrer da década de oitenta. Falei tudo isso porque acho que o fato de só eu ter aparência rocker, ali naquela Blitz, pode ter aliviado um pouco a situação, visto que se todos tivessem aparência de hippies / freaks, os policiais teriam sido ainda mais truculentos.
Como ali em Trindade, demarca-se praticamente a divisa entre estados, resolvemos voltar em direção a São Paulo, e pararmos em uma cidade qualquer. A primeira parada foi em Paraty, ainda no estado do Rio. A cidade é uma graça, de tão bonita, mas em clima de carnaval e a chover, não havia vagas em hotéis ou pensões. Dessa forma, seguimos de volta ao nosso estado, e paramos em Caraguatatuba, onde passamos o restante do domingo. E mais uma vez sem achar acomodações e sob chuva. Foi uma experiência claustrofóbica passarmos a madrugada esmagados dentro de uma Brasília. E assim, passamos a segunda-feira, quando finalmente alguém teve a brilhante ideia em acabarmos com aquela tortura, e voltarmos à São Paulo. A próxima apresentação, seria no mesmo bar Lei Seca, marcada para o dia 23 de fevereiro de 1980, e nesse show, teríamos surpresas, uma agradável e outras, curiosas.

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sábado, 26 de janeiro de 2013

Autobiografia na Música - Língua de Trapo - Capítulo 19 - Por Luiz Domingues


Foi um choque de profissionalismo que recebi nessa minha volta ao Língua de Trapo. Aprendi muita coisa, e levei esse Know-how para a Chave do Sol, em muitos aspectos. No tocante a equipamentos, o Língua de Trapo não possuía absolutamente nada. A praxe da banda era alugar tudo, P.A. e equipamento de palco (backline). Como geralmente o contratante responsabilizava-se em pagar por tudo, sempre tínhamos um equipamento com boa qualidade no palco, e P.A. do mesmo nível. Foram raras as ocasiões em que tivemos um equipamento ruim para trabalhar.

Geralmente eu usava amplificadores Fender, Hiwatt, e na pior das hipóteses, Duovox, uma linha de luxo da Giannini, que era incrivelmente boa. A banda tinha cacife para fazer tais exigências. 
E eram previstas em contrato, a especificar as nossas necessidades técnicas. Convenhamos, para um show das características que fazíamos, era imprescindível ter som e luz de qualidade, para a proposta da banda ser bem assimilada pelo público. No contrato, havia especificados três ou quatro marcas de amplificadores e caixas que seriam aceitas, para o contratante ter opções.
As raras vezes em que deu errado, foi por quebra de contrato, o que deixava o nosso empresário, uma pilha de nervos. E em relação ao P.A., a mesma coisa. Esse documento técnico chama-se, "Rider", além do "Input list", que sempre devem seguir, ambos, anexados ao "Mapa de Palco" (onde desenha-se a posição da banda no palco), e o "Mapa de Luz", onde o projeto de iluminação preparado pelo iluminador da banda, é especificado.
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Autobiografia na Música - Língua de Trapo - Capítulo 18 - Por Luiz Domingues

As primeiras impressões foram com o sentimento da estupefação. Aquele grupo que eu havia deixado no início de 1981, sob condições difíceis, mostrava-se outro, completamente diferente. Fiquei boquiaberto quando o Laert mostrou-me o portfólio da banda. Naquela época, representava quase dez pastas enormes, abarrotadas com matérias de jornais e revistas.
Eram entrevistas de página inteira em jornais de grande circulação; revistas de grande porte; jornais de diversas cidades interioranas e capitais de outros estados...

O Lizoel, guitarrista que eu conhecia desde a minha primeira passagem pela banda, falava-me a respeito de muitos pormenores sobre os bastidores. Foi o componente da banda, mais antenado na questão das oportunidades dentro do mundo fonográfico, e foi logo a dizer-me que o Língua de Trapo estava na iminência para fechar contrato com uma grande gravadora, onde contatos já estavam adiantados. O Laert então preocupava-se mais com a realidade do cotidiano, e assim, queria que eu preparasse logo as músicas novas, pois o objetivo primordial seria preparar-me para o novo show que estava a ser ensaiado para a turnê de 1983 / 1984. Entrosei-me muito rapidamente com o baterista, Naminha, que é um amigo extremamente gentil. E também com o tecladista, João Lucas, que apesar de ver-me a ocupar o posto que fora de seu irmão, o baixista, Luiz Lucas, acolheu-me muito bem, e tornar-se-ia um grande amigo posteriormente, com o avançar da turnê.
A residência de Fernando Marconi, onde ensaiávamos em 1983, ficava na Rua Cardeal Arcoverde, próxima a essas pequenas oficinas de restauração de móveis antigos.
                             
Sergio Gama e Fernando Marconi também receberam-me muito bem. Os ensaios ocorriam na residência do Fernando Marconi, que estava casado com a jovem, Lia Moussalli, nessa época. Sergio Gama também estava casado, com Nancy Goulart, filha do jornalista, Goulart de Andrade, famoso pelo seu programa na Rede Globo, "Comando da Madrugada", e ela esperava o primeiro filho do casal. E o Pituco Freitas, estava mudado também. Estava com uma postura de artista, coisa que não tinha bem delineada antigamente. Agora ele aprendera a impor-se nesse sentido, o que fez-lhe muito bem. Nesse período, a banda estava assistida por um escritório de empresários, mas os membros não estavam contentes. Logo fui informado que estavam insatisfeitos, e sonhavam voltar a trabalhar com o empresário que tinham anteriormente, um holandês chamado, Jerome Vonk.
                             O empresário Jerome Vonk

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