terça-feira, 18 de setembro de 2012

O Intelectual de Pelotas - Por Marcelino Rodriguez


Romildo, meu amigo de Pelotas, telefona as três da manhã.

-- Alô.

-- Barbaridade, Tchê, barbaridade.

-- Que foi Romualdo, essa hora?

-- O Doutor, Tchê. O Doutor.

-- O que tem se passado?
-- Estou com uma alergia, Tchê, segundo ele inusitada. Uma daquelas que pegam um gaúcho em cada dez milhões.

-- Próstata?

-- Não. O saco está cheio, mas está bom. Imagine, filho, que aqui em Pelotas tem dois homossexuais e meia dúzia de craqueiros. Barbaridade, Tchê, barbaridade.

-- Pô, Romildo, vai dizer que você ainda acredita no mito do gaúcho macho?

-- Claro, Tchê, são nossas tradições. Essas são de Florianópolis. É por isso que eu digo, o Rio Grande tem que ser independente.

-- Romildo, acorda pra vida. Mas que alergia é essa?
-- O Doutor Anestécio disse que tenho que evitar gente medíocre, a plebe. É uma mijeira danada quando sinto que estou perto de uma criatura para quem Dostoiévski é um palavrão.

--- Me conta esse seu processo. Coisa curiosa.

-- Tudo começou na livraria.

-- Como assim?

-- Eu perguntei à vendedora se tinha "Crime e  Castigo" e ela perguntou quem era o autor.  Aí começou a dar a mijeira. Fiquei pensando como pode isso estar acontecendo no Rio Grande, em Pelotas.
--  Barbaridade, Romildo.
Fiquei sem saber o que falar. Como pode não ter gente qualificada num estado de alta qualidade de vida? No Rio Grande eles puxam a sardinha de seus artistas e ficam fechados entre si, como se fossem uma república sueca. Fazem feira de livros.

-- Como pode uma mulher do Rio Grande não saber quem foi o russo?

-- O que o médico disse?

-- Para eu evitar rádio, televisão, jornal, internet desqualificada e ficar isolado na minha biblioteca, de cachecol e chimarrão. Ou mudar-me para a Dinamarca, que tem um leitor para cada cem habitantes.

-- E o que você pretende fazer?
-- Esperar o fim do mundo fazendo xixi. Barbaridade Tche, Barbaridade. Olha, vou desligar que estou aqui com a bexiga cheia. Até mais ver. Tri madrugada pra ti.

Saiu do telefone.

Concluí que em Pelotas também tem gente subdesenvolvida. Também é mais fácil por lá cruzar com uma Serial Killer
do que com uma leitora do russo.


Trecho do livro Café Brasil
(Direitos reservados)


Marcelino Rodriguez é colunista sazonal do Blog Luiz Domingues 2. Escritor de sucesso, tem vários livros publicados no mercado editorial brasileiro. Aqui, nos brinda com um trecho de seu livro "Café Brasil", lançado em 2001.

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