segunda-feira, 16 de abril de 2012

Autobiografia na Música - Boca do Céu - Capítulo 1 - Por Luiz Domingues

Tudo começou em abril de 1976, quando o guitarrista Osvaldo Vicino convidou-me a formar uma banda. Eu não tocava absolutamente nada, não tinha nenhum instrumento, nem nenhuma noção de teoria musical. Com a negativa de outros colegas da nossa escola (éramos colegas da 8ª série, na mesma escola), o baixo sobrou-me, por pura eliminação, pois ninguém queria assumir essa função.

Com a falta de bateristas na escola, ele indicou um primo seu, chamado Francisco Sérpico, que morava na zona leste, e que estava a querer aprender a tocar. Osvaldo Vicino foi o iniciador do processo de criação da banda, portanto. Ele cursava a oitava série no colégio, Maria Antonieta D'Alckmim Basto (antigo Grupo Escolar da Vila Olímpia / Ginásio Estadual da Vila Olímpia), na Vila Olímpia, zona Sul de São Paulo, no ano de 1976, quando conheceu-me e tornou-se meu amigo, e era também era um apaixonado pelo Rock, naturalmente como eu. Sendo ambos inveterados ouvintes do programa radiofônico, "Kaleidoscópio", e leitores da Revista "Rock, a História e a Glória", logo tornamo-nos amigos e sendo assim, manifestamos a intenção em criar uma banda de Rock. Essa foi a semente primordial do Boca do Céu, com Osvaldo a assumir o posto de guitarrista; vocalista, e compositor. Coube-me tornar-me o baixista da banda, pois não sabia tocar nenhum instrumento musical, tampouco tinha dotes vocais. Portanto, num esforço cooperativo, Osvaldo propôs-se a ensinar-me a noção básica da teoria musical e alguns exercícios iniciais ao instrumento, para que eu aprendesse e começasse o meu lento desenvolvimento.





Pela ordem, Deep Purple (em foto de sua penúltima formação setentista, 1973 / 1975, a chamada "Mark III"); A contracapa do LP "Tudo Foi Feito Pelo Sol", dos Mutantes e uma foto promocional do Nektar, de 1974 ou 1975, provavelmente.

Chamamos um outro colega da escola para ser vocalista, o Bernardo, vulgo Bernardão (que também tinha como apelido : "Janjão), pelo porte avantajado (era um garoto muito forte para os padrões de um menino de 15 anos de idade), mas sua experiência musical era somente a de cantar no chuveiro, e achar que acompanhava com desenvoltura o vocal, junto com os discos do Deep Purple; Nektar, e Mutantes, bandas que gostava. Eu conhecia-o desde 1974, mas foi em 1975 que tornamo-nos amigos, quando estudamos na mesma classe, a "Sétima C", quando na condição de repetente, estudei pela segunda vez nessa série, como se tivesse sido "rebaixado" para a segunda divisão, em 1974...

O Bernardo “Janjão” era um rapaz muito forte e seu porte físico era muito maior que o dos meninos de sua idade, e seu temperamento era sossegado normalmente, embora em momentos tensos, ele não deixasse de usar sua força para impor-se, e esse tipo de tensão entre meninos dessa idade, é uma questão quase diária, pela explosiva mistura : hormônios em ebulição x imaturidade. É raro não sair no braço, nem que for por "brincadeira"...

E por ter esse porte como "lutador", seu segundo apelido óbvio, era "Bernardão". Musicalmente, ele gostava de Mutantes, Deep Purple, Nektar e outras tantas bandas setentistas em voga, na época. Mas as três que citei inicialmente eram no caso, as suas prediletas, além do “Grand Funk”. Lembro-me em termos ido juntos ao show do “Rick Wakeman”, em dezembro de 1975, no ginásio da Portuguesa de Desportos, e com mais um amigo nosso em comum, chamado Mário, que era da nossa classe, também. Isso reforçara nossa vontade para ter uma banda de Rock, "de verdade". Ele queria muito fazer parte de uma banda, mas tinha a típica dificuldade muito comum dessa época, ou seja, era raro quem já tocava algum instrumento e mais raro ainda, quem possuísse um instrumento, ainda que de segunda ou terceira linha. Mas, arvorava-se em ser cantor, ainda que sem nenhuma noção musical, pelo simples fato de gostar de cantar no chuveiro ou por cima dos discos de bandas que gostava de ouvir. Naquela circunstância, onde só o Osvaldo tinha uma noção básica, o fato do Bernardo não saber nada, não era uma barreira inviabilizadora para ele. Além disso, a nossa ingenuidade juvenil era tão grande, que esse "detalhe" não incomodava-nos absolutamente em nenhum aspecto. Pelo contrário, ficamos contentes com a perspectiva em termos um novo membro na banda e de fato, pelo companheirismo que tínhamos entre os três, a presença dele nas reuniões ou simulacros de ensaios, era importante e fator de animação para todos. Se posso enxergar méritos, claro que o fator "força de vontade", tem que ser elogiado. Ele queria e tinha garra nessa determinação. Mas, até a "página dois", vimos logo, pois a vida cobrou-lhe outros rumos, e do mesmo jeito que entrou com essa vontade toda, saiu e não deixou vestígios. E um sinal prévio, deu-se quando cortou o cabelo radicalmente, da noite para o dia e isso, no imaginário do Rocker setentista típico, era o equivalente a um ato de traição, praticamente. Ele gostava de usar um sobretudo elegante, que era moda entre Rockers daquela época, a querer respirar ares europeus, e convenhamos, as estações de outono / inverno naquela época em São Paulo, eram muito geladas e ao contrário dos dias atuais onde as ondas de frio são rápidas, era cabível usar roupas pesadas por bastante tempo, fora o fato de que a garoa era forte, toda noite. Nós nunca ensaiamos para valer, com o Bernardo a cantar num microfone e ligado num equipamento de P.A., mínimo que fosse. Isso porque no tempo do Bernardo, nós ainda não havíamos oficializado um baterista e eu não reunia condições mínimas para fazer um ensaio de verdade, porque estava a engatinhar nos primeiros exercícios, numa fase muitíssima preliminar de aprendizado. Depois que deixou a banda, nunca mais tive notícias dele. Fiquei com a lembrança de um colega legal, muito extrovertido, que gostava de cantar e usar "sobretudo", mesmo em dias não tão frios assim, e com aquela cabeleira setentista típica, enorme, até o meio das costas, que incomodava as irmãs mais velhas do Osvaldo, que achavam esse visual "démodé", ali na virada da metade da década de setenta e viviam a sugerir que ele cortasse-o. De fato, poucas semanas depois ele cortou mesmo e tal como Sansão, parece que seu entusiasmo rocker, diminuiu. E daí, saiu de cena, logo após a virada de semestre de 1976...

Eis acima o famoso baixo da marca "Hofner", imortalizado por ser o predileto do Paul McCartney em grande parte da carreira dos Beatles, principalmente na primeira fase da banda depois de lançada no mercado fonográfico, 1962 / 1966
 
Com essa formação inicial, não chegamos a ensaiar. Primeiro por não termos local. Segundo, por eu ser tão horrível, que precisava de um tempo para desenvolver o mínimo possível, e o mesmo para o iniciante baterista, Fran Sérpico, que nem bateria tinha. No início, o meu primeiro contato com um instrumento, foi uma adaptação absurda que o Osvaldo praticou, ao colocar cordas de baixo num violão velho que possuía. É claro que não daria certo e logo percebemos que arrebentaria com o instrumento. Mas uma segunda tentativa semelhante foi feita, desta feita com o próprio Osvaldo a colocar cordas de baixo numa guitarra Giannini velha que não usava, não sem antes pintá-la de verde, com um spray. Não era possível dar certo novamente, e convencido de que precisava comprar um baixo, tratei de arrumar um montante em dinheiro com meu pai e através de uma indicação do próprio Osvaldo, que vira um instrumento usado numa loja de penhores, comprei o meu primeiro baixo. Custou-me duzentos cruzeiros, e tratava-se de uma imitação caseira e barata de um baixo Hofner, igual ao que o Paul McCartney usava no tempo dos Beatles, e tem usado novamente em suas turnês modernas, há pelo menos uns quinze anos. Ele era preto, e só conseguia ser afinado mediante o uso de um alicate, devido ao fato de suas tarraxas estar completamente emperradas. Mas sentia-me um Rocker, a empunhá-lo orgulhosamente nos primeiros momentos da banda. 

Apesar de sermos uma banda totalmente iniciante, a contar só com um membro que sabia o básico da instrução na música, ainda assim, não tirávamos “covers”. Apesar de sermos péssimos e no meu caso e do Fran, estaca zero total, nas reuniões no apartamento do Osvaldo Vicino, trabalhávamos em composições próprias. Não havia a mentalidade para tocar-se covers, infelizmente hoje tão disseminada na cabeça da garotada atual. O melhor músico da banda era o Osvaldo, que já tocava desde 1974, mais ou menos. Sabia fazer vários acordes e conduzia ritmos. Achávamos o máximo vê-lo tocar com uma desenvoltura milhas acima da nossa.

Eu, Luiz Domingues, em foto de carteirinha escolar, de 1976, cerca de dois meses antes de receber o convite de Osvaldo Vicino para formarmos uma banda
 

Pelo menos propus-me a estudar e desenvolver ao máximo.


Osvaldo Vicino e suas irmãs, em foto de 1976, clicada em seu apartamento, localizado no bairro de Moema, zona sul de São Paulo, onde demos os nossos primeiros passos. Foto de seu acervo pessoal (agradeço pela cortesia !). 

Continua...

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